A SINCRONICIDADE DO BRASIL

 

A Sincronicidade das Sincronicidades (ou como as partes fazem o todo)

Não tirei o pé de casa durante alguns dias, talvez dois ou três. Se eu sinto que é para terminar um trabalho sem dar-me trégua, o faço sem crises, mesmo que trabalhe 16 horas seguidas (será a endorfina?).

Meu corpo suporta bem a carga de energia do Poder Criador que nos fertiliza de Amor, a semente da criatividade. E criatividade pode ser Amor ou Ego, depende do objetivo, depende da intenção, da interação. É bom trabalhar com um toque de pureza, pois quando o Ego comanda a ação (como por exemplo, fazer algo para provar alguma coisa), a energia não me parece tão abençoada e o resultado é apenas “a menor parte do todo” e isso te afasta da “maior parte do todo”, ou da “melhor parte”, o que é bem mais agregador, completo, bacana e sincronístico. Vivo meu isolamento de monge escritor, sem muitos problemas, pois para mim todo dia é igual ao dia anterior, caso não se faça por onde, caso não se viva a mágica do dia, e a magia necessariamente não está na rua, está em você, pois todos somos Deuses já que a partícula divina está em nós. É genética, é religião, humanidade e filosofia. Mas não adianta querer ser Deus, não é assim que acontece, não adianta exibir o Deus que há em você sem que haja um entendimento do processo, do que é vivenciar que o todo (Deus) está em você (a parte) porque é assim que acontece, não é algo intelectual, mas precisa de discernimento que nem todo mundo tem, um analfabeto ou uma criança podem sentir essa energia, sê-la e um místico pode ficar só no misticismo ralo.

“Mas eu tenho medo dessa história de parte, de todo”, alguém pode sinceramente argumentar. Mas eu também tenho, só que em outra proporção, em um nível diferente, não como o seu e nem você como o meu. E como mesurar, como saber como estamos? Pois é, não dá para saber porque o Ego interfere no julgamento. Mas o Ego serve para muitas coisas: para os artistas, para os políticos, para os ególatras, para galgar degraus na vida social e profissional, para se sair bem nos encontros, etc. Mas então por que recusar o poder do Ego se o Mundo é Ego? Pois é, essa também é uma questão complexa e que certamente envolve receios e medos. Se o mundo é Ego, por que não idolatrar o Ego? Simplesmente, porque você é diferente, porque você é um astronauta sincronizador e se souber disso, não haverá dor, cobrança ou sofrimento. Ah, mas minha mulher, meus amigos, meu filho, meu patrão, a sociedade não entendem, não querem saber, não ajudam, etc. Então dê o seu jeito. E separação faz parte da vida, do aprendizado, não dá para ter tudo para sempre. Tudo é finito.

A soma, quase sempre é difícil de conciliar. E a união dos interesses e necessidades não dependem só de você, dependem do todo, mas é útil entender o  todo através do que é mais “preciso” e do que é “desejado”. Hedonismo e prazer demais não ajudam muito a quem quer se interiorizar. Esses são amigões do Ego, que na maioridade das vezes é péssimo conselheiro.

Voltando ao primeiro parágrafo, fiquei alguns dias sem sair de casa. Após (quase) fechar 3 trabalhos, vi o céu azul e me dei uma folga: “Hoje vou espairecer”. Decidi ver os 140 metros quadrados da tela fenomenal Guerra e Paz de Cândido Portinari (1903-1962) exposto no Theatro Municipal no centro da cidade. Antes, fui entregar um presente de natal para um amigo em um bairro próximo. O prédio era no fim de uma longa rua e ninguém atendeu o interfone. Então um rapaz, morador do prédio que não conheço surgiu e pedi a ele que entregasse o pacote. Pode ter sido um pedido meio “mala”, a pessoa poderia nem querer fazer (e tem todo o direito), mas eu pedi porque senti que era para pedir e nem pensei muito, foi como um fluxo, ou pedia ou ficava com o pacote na mão.  Ele entrou no prédio com o pacote e agradeci. Bacana. Quando me virei para ir embora, vi que bem pertinho, em um larguinho no final da rua havia um santuário. Fui até lá e era a Virgem de Fátima, minha grande amiga. Fui lá e agradeci pela companhia. Me senti abençoado, no caminho certo.


Em direção ao Municipal, ali na esquina, encontrei um chafariz de 1807 (Na foto, não dá para ver a data com precisão, pois como se vê o monumento está pichado). A família Real, fugida de Napoleão, cá chegou em 1808, o monumento é do ano anterior. No Rio de Janeiro, não é difícil encontrar traços do antigo Portugal, mas ter visto o chafariz naquela hora me encantou pois um dos trabalhos que estou escrevendo fala sobre portugueses, índios e negros.

A fila para entrar no Theatro Municipal dava a volta no quarteirão. Como me preparei para uma situação dessas, levei um livro sobre a Guerra do Paraguai para ler na rua. Meu último lugar na fila era em frente ao Clube Militar, que tem dois alto relevos na parte externa do prédio com imagens da… Guerra do Paraguai. 10 minutos depois que cheguei, um amigo das antigas, que fiquei sem ver por mais de uma década, saiu do tal prédio. Nos últimos quinze anos só nos encontramos duas vezes e ambas em 2010: em uma rua perto de casa no início de 2010 e agora. No primeiro encontro, ele me contou da decisão que havia tomado de mudar de profissão porque seu coração o disse e acrescentou que estava feliz. Nesse nosso segundo fortuito encontro, no final do mesmo ano, agora em dezembro, ele me abraçou e falou que estava trabalhando no Clube Militar em um esquema bem mais legal. Ele surgiu no início e no fechamento do ano para passar a mensagem. O amigo abandonou o que nada mais valia para ele, deu uma pernada no Ego e se desapegou, mas para isso teve que ralar, se repaginou, melhorou, progrediu, mas o melhor dele ainda estava intacto: o coração. Na hora, pensei, é claro, que nenhum encontro desses é casual. Nos encontramos em datas simbólicas, início e fim de ano, porque estamos entranhados com a mesma energia: a mudança interna e externa.

Subitamente uma Deusa surgiu na avenida principal em carreata veloz, seguida por vários ônibus festeiros como barcas de quatro rodas: era Iemanjá a frente do cortejo em direção à praia de Copacabana. Iemanjá, linda, nos abençoou com seus longos cabelos e sua vestimenta branca com as mãos doando luz, como Nossa Senhora. A súbita cena me preencheu a alma, pois toda boa surpresa não marca visita, te pega pelo colarinho, te beija sem pedir. Ao vê-la, me senti leve, fazendo parte de algo muito especial, muito lindo, integrado, coeso e único. Sorri, quase chorei.

Na fila, jovens falavam das férias, que estavam loucos para deixar a cidade e de preferência o país. “Quero ir para a Austrália”, “Quero ir para Portugal ficar um ano” e uma menina acrescentou: “Vou trabalhar de garçonete em Lisboa”, etc (um deles falou: “Canadá não, porque é muito frio”). Todos, obviamente, empregados, mas insatisfeitos. E o papo me chamou a atenção, porque eu não estava ali naquela fila gigante para ver um quadro, mas para ver o Brasil, para conhecer o Brasil, para me reconhecer no meu país, no nosso país, para me emocionar e atrás de mim, outros estavam ali para ver um quadro, que poderia ser de qualquer artista, brasileiro ou não, tanto faz. Mas entre nós, eu e eles, apesar de fisicamente próximos, havia uma barreira interna enorme de percepções diferentes da vida e de diferentes objetivos: eles querendo se encontrar do lado de fora e eu querendo me encontrar do lado de dentro.

Portinari é o pintor da alma brasileira. O que se pode entender da obra que representa a brasilidade se ela não existe em seu coração? Só se poderá ver exterioridades, cores e tinta, mas não senti-la, vivê-la com a sua alma.

Depois de uma hora na fila, entramos no Municipal, reformado, lindo, uma coisa de louco e teve inicio uma projeção lindíssima contando a história do quadro Guerra e Paz de Cândido Portinari. O quadro havia sido exposto pela primeira vez, ali mesmo no Theatro em 1956 quando Juscelino Kubitschek era o Presidente. Tenho uma ligação espiritual muito grande com Juscelino e estando ali frente a frente com aquela obra monumental, de extrema beleza, o que eu poderia fazer a não ser me emocionar? A arte tem um poder impressionante de nos liberar, de nos libertar, de dar razão a tudo, de dar vazão a tudo.

Depois do Municipal, quis mais arte e fui para a Caixa Cultural, ao lado, para ver se havia exposições ou mostras.  No térreo havia um conjunto de tapeçarias inspiradas na tela Guerra e Paz. Uma delas me chamou a atenção: um Cérbero, o cão de três cabeças (foto). Quando se vê os dois painéis que compõem Guerra e Paz há tantos detalhes, que não há como perceber tudo, não há como reconhecer todas as figuras, a riqueza de detalhes é incrível e o Cérbero da tela me passou batido, mas lá estava a reprodução do animal em uma tapeçaria, dando-lhe o destaque necessário. O nome de um dos personagens do livro que estou escrevendo se chama… Cérbero.

Subi para o segundo andar. Na primeira sala dei de cara com fotos feitas por Darcy Ribeiro, o grande Darcy, sobre os grupos indígenas Kadiwéu, Urubu-Ka’apor e Ofayé-Xavante nas décadas de 40 e 50. Tudo absolutamente lindo, imperdoavelmente lindo, foi como uma pancada de brasilidade na minha alma. Darcy tudo pode. Mais uma vez associei: o trabalho que estou escrevendo é sobre portugueses, índios e negros. Mas me vi, debruçado, embevecido sobre um determinado grupo: os Kadiwéu. Seus traços belos parecem uma mescla de orientais com andinos e seus rostos, pintados com desenhos geométricos que formam mosaicos, indesculpavelmente lindos. Os índios Kadiwéu ou Cadiueus salvaram uma coluna brasileira (a Retirada da Laguna) de ser totalmente destruída pelas forças “inimigas” na Guerra do Paraguai. Não sabia disso e a fascinação começou a fazer sentido.

Na segunda sala, assisti a um maravilhoso documentário sobre o pensador negro americano Richard Wright. Parecia que estava tendo uma aula – bem criativa, por sinal – sobre portugueses, índios e negros. Lembrei do que escutei na fila, sobre jovens que nada querem com o Brasil: me vi tomando banho de Brasil enquanto os outros se enxugavam. Pois é, cada um na sua.

 

Ver exposições sobre temas que estou escrevendo exibe uma sincronia: de que estou fazendo a coisa certa na hora certa, sintonizado com o meu destino e com o destino do universo.

 

De volta para casa, no metrô, ao meu lado, três rapazes começam a falar que estavam loucos para deixar a cidade e de preferência o país. “Quero ir para a Austrália”, “Quero ir para Portugal ficar um ano”. Mas foram acrescentadas outras rotas de fuga como Suécia, Finlândia, Nova Zelândia e Noruega.

Portinari tinha um pensamento curioso: “Todas as coisas pobres e frágeis se parecem comigo.”

 

Sim, somos pobres e ricos, frágeis e fortes, brasileiros ou não, queremos ficar aqui em “nossa” terra ou não, queremos mudar ou continuar, queremos tudo e nada.

 

Mas só uma coisa é importante, a mais importante de todas: estando sincronizado, todas as escolhas são abençoadas, porque elas nos pertencem e nós ao mundo.

 

Não é só isso, mas é isso e isso é TUDO.

 

Sete Leis da Sincronicidade

1. Meu espírito é um campo de possibilidades infinitas que conecta tudo o mais. Esta frase resume a totalidade do que estou expondo. Se você esquecer de tudo o mais, lembre-se apenas disso

2. Meu diálogo interno reflete o meu poder interno. O diálogo interno das pessoas autorrealizadas pode ser descrito assim: é imune a críticas; não tem apego aos resultados; não tem interesse em obter poder sobre os outros; não tem medo. Isso porque o ponto de referência é interno, não externo.

3. Minhas intenções têm poder infinito de organização. Se minha intenção vem do nível do silêncio, do espírito, ela traz em si os mecanismos para se concretizar.

4. Relacionamentos são a coisa mais importante na minha vida. E alimentar os relacionamentos é tudo o que importa. As relações são kármicas e quem nós amamos ou odiamos é o espelho de nós mesmos: queremos mais daquelas qualidades que vemos em quem nós amamos e menos daquelas que identificamos em quem odiamos.

5. Eu sei como atravessar turbulências emocionais. Para chegar ao espírito é preciso ter sobriedade. Não dá para nutrir sentimentos como hostilidade, ciúme, medo, culpa, depressão. Essas são emoções tóxicas. Importante: onde há prazer, há a semente da dor, e vice-versa. O segredo é o movimento: não ficar preso na dor, nem no prazer (que então vira vício). Não se deve reprimir ou evitar a dor, mas tomar responsabilidade sobre ela.

6. Eu abraço o feminino e o masculino em mim. Esta é a dança cósmica, acontecendo no meu próprio eu. A energia masculina: poder, conquista, decisão. A energia feminina: beleza, intuição, cuidado, afeto, sabedoria. Num nível mais profundo, a energia masculina cria, destrói, renova. A energia feminina é puro silêncio, pura intenção, pura sabedoria.

7. Estou alerta para a conspirações das improbabilidades. Tudo o que me acontece de diferente na vida é kármico. É, portanto, um sinal de que posso aprender alguma coisa com aquela experiência. Em toda adversidade há a semente da oportunidade.

Deepak Chopra

A Sincronicidade do Natal

2010 já acabou, viva 2011.

Viva? Bem, se melhorarmos como indivíduos, ótimo, mas se é para continuar com a alma sedenta por poder, bens materiais e bajulação, então o cenário é negro…

A vida é muito maior, a vida é muito mais bela, ainda mais quando vivemos a mágica.

Nunca esquecerei de ter visto, em pleno Natal, as botas do Papai Noel.

Foi exatamente isso que vi: um par de lustrosas botas que brilhavam no escuro, encostadas à cama dos meus pais, bem em frente à porta do quarto deles no final do corredor do apartamento. E antes que alguém pergunte, a resposta é “não”. Meu pai nunca se vestiu de Santa Claus. Os presentes surgiam ao lado da árvore todas as manhãs na data certinha, era barbada. Nunca questionei se o bom velhinho era real ou não. A felicidade que me assombrava quando eu recebia os presentes era tanta que não me cabia questionar o inquestionável. Hoje, crianças com dez anos vivem na internet, eu lia Monteiro Lobato e não pensava em mulheres, apesar do meu pai tentar me transformar em um garanhão insensível, mas graças a Deus, não obteve sucesso.

Elas, as botas, pareciam enormes, gigantes, ainda mais para o meu antigo tamanho de anão de jardim.

Fiquei tão assustado que nem consegui escancará-las, me pareceu proibido ousar além dos meus limites, atravessar uma ponte intransponível entre o mundo real e o da imaginação. Como eu, um pequeno ser, poderia se atrever a ver Papai Noel em toda a sua majestosidade? O pouco de luz – vinda da lâmpada do corredor – me permitiu vê-las, inclusive os pon-pons, não me encheu de coragem para ver o ser mágico na íntegra. Desculpem-me, não me arrisquei a olhar para cima e vê-lo em sua plenitude de ser físico, barrigudo e sorridente. Saí correndo gritando: “Eu vi Papai Noel!”.

Esse encontro me deixou tão perplexo, entre botas e crianças, que quando eu e meu irmão, que dormíamos em um só quarto, tivemos que escolher quem ficaria na janela ou ao lado da porta, eu pedi para ficar com a porta, pois se Papai Noel tentasse entrar pela janela, daria tempo para eu me escafeder como o Leão da Montanha.

Os adultos tem o hábito de culpar o velho Noel por decisões que não são da sua alçada, ligando a sua ausência ao nosso mal comportamento: “Papai Noel ainda não chegou” ou “Esse ano ele não vai trazer o seu presente porque você não foi bonzinho para a mamãe”, diziam. Certamente, a pouca produtividade do salário, incapaz de atender a todos os pedidos dos filhos, era o real motivo da ausência dos presentes natalinos em alguns momentos de nossa história familiar. E olha que éramos apenas dois irmãos. Mas nossos pais se esforçavam para nos atender, isso não posso negar. Se o par dos fantásticos pés pertencia a alguém de fato, não vem ao caso.  O importante é que o cheiro do Papai Noel estava lá; eu mesmo o sentira.  Esbaforido, voltei à sala, em extâse.

 

“Papai Noel está no quarto!”

 

Comuniquei aos adultos que o velhinho estava no quarto no final do corredor, porém o máximo de admiração que me ofertaram foi bem menor do que meu coraçãozinho esperava. Talvez uma das minhas primeiras frustrações.  Ninguém se deu ao trabalho de me acompanhar para tirar a prova dos nove: foi uma lástima.  Me deu vontade de chorar. Até hoje me sinto um pouco assim, como aquele garoto que ninguém escuta, quando afirmo existir mágica no mundo.  Fato relevante que praticamente ninguém vê, ou finge que não vê. Pior ainda foi o dia em que nossa mãe nos comunicou laconicamente que Papai Noel não existia, que ela e meu pai colocavam os presentes na árvore de natal e que devíamos parar de acreditar nessas bobagens de Noel, Boitatá e Curupira. Foi assim mesmo: um comunicado meio amargo, nos arrancando impiedosamente a prótese da pureza. Só de  birra, até hoje não acredito em uma só palavra do que ela disse. Veja lá se vou cair nessa…

Acredito em mágica, porque eu vivo a mágica. Não preciso implorar por amor ou reconhecimento e nem puxar adultos bêbados pelas mangas para verem o que não querem ver.

Passados vários anos, o mesmo quarto de mamãe serviu de palco para peças para as quais fui escalado à força. Vivi aquilo que chamam de experiência Crística para o nível da minha compreensão e idade. Uma espécie de iniciação, ou primeira crucificação, simbolicamente falando.

Ainda era bem pequeno e todos os sentimentos tornavam-se gigantescos em comparação. A cabeça de uma criança de 13 anos nos anos 70 era bem diferente das de hoje. A história é essa: O pai de minha mãe era um jornalista que almoçava semanalmente em nossa casa e, em uma de suas visitas, mamãe estava muito nervosa porque eu não havia cortado o cabelo – segundo ela, para agradar o meu avô (ou seria para agradá-la?). A solução encontrada, unilateralmente, foi me obrigar a permanecer escondido sob a cama do seu quarto, a mesma das botas de Noel, para que vovô não visse o neto com a aparência “suja”. Mamãe estava tomada por um horror estranho, como se pudesse ser repreendida por ter falhado e preferiu me dar em sacrifício do que encarar o pai. Apesar de não entender muito bem o que estava acontecendo, estranhei muitíssimo o fato de minha mãe, que era tão poderosa aos meus olhos, transformar-se em alguém tão amedrontada na presença de outro ser humano, afinal, para mim, eram apenas pessoas.  Nada mais. Meu irmão, por ter cortado os cabelos, teve permissão para participar do almoço na sala de jantar. Eu que comesse depois. Do chão do quarto, dava claramente para ouvir mamãe inventando as mais estranhas desculpas pela minha ausência. Ela exigira meu silêncio de morto sob o estrado da cama. Meu avô, muito mais esperto do que a filha, apenas ouvia e duvidava. Assim fiquei sob o colchão e o estrado, sem julgá-la, apesar de ser bem incômodo tentar não demonstrar minha presença.  Fiquei apavorado até de respirar!  O chão não havia sido varrido e estava difícil sentir-me confortável.  Poeira, pouco espaço e minha cabeça encostada no chão gelado.

Quando os sapatos do meu avô – os sapatos, sempre os sapatos – adentraram o quarto, ficando imóveis por alguns segundos que mais pareciam horas, meu coração pareceu saltar da boca.  Tinha certeza de que ele sabia que havia um neto embaixo da cama, pois ele nunca havia ido até o quarto no final do corredor. Ele sabia, eu sabia, meu irmão sabia e mamãe sabia. Eu só não queria decepcionar mamãe duas vezes. E lá, amedrontado e humilhado, lembrei das botas natalinas ao ver os lustrosos do vovô. Sapatos de horror, todos.  Meu maior medo era que meu avô se abaixasse e fitasse meu rosto espremido contra o chão. Cheguei a rezar.

E lá continuava meu avô, em posição de sentido à procura de um neto escondido sob o colchão.

Mas todos se assemelham na velhice, onde todos os pecados são pagos.

Paulatinamente, meus pais foram “morrendo” ainda em vida, um para o outro e posteriormente para mim, metamorfoseando-se de mitos em seres comuns.  Além da idade avançada, havia o pior sintoma da velhice: manter estruturas carcomidas.  Ambos não se entendiam mais. A relação se desgastara e era clara a vontade dele em escapar e a dela em manter o casal à força. Nunca me pareceram melhores do que qualquer outro casal, apenas mais um. A diferença é que eram meus pais.

O tempo passou e meu avô, até mesmo pela idade avançada, perdeu os sentidos e, a partir daí, a própria memória. Durante uma das visitas aos sábados à tarde, impostas por minha mãe para assistirmos nosso avô sendo destruído pelo tempo – senhor implacável de todos nós -, na Tijuca, ele fez a grande pergunta que marcou época: “Quem são essas duas moças?” Eram eu e meu irmão.

Após o falecimento do vovô foi necessário desocupar o apartamento – esses sim, não morrem nunca a não ser a marretadas -, que como o destino, observam o rodízio dos novos locatários de suas repintadas paredes. As cores e as pessoas se vão, as paredes ficam. Para surpresa de minha mãe foram encontradas exatas cem enferrujadas lâminas de barbear, usadas, porém nunca jogadas fora; hermeticamente preservadas em uma gaveta com restos de creme de barbear e pelos antigos. Sempre que penso em jogar algo fora, – e decido fazê-lo -, lembro das lâminas que nunca conheceram o fim durante a existência do meu avô. Penso na inutilidade de coisas como livros nunca relidos que só se amontoam nas estantes – quando não, em caixas.  Meu avô, sem querer, acabou por ofertar-me uma das maiores lições que poderia esperar de alguém.  Atuou em silêncio como um mestre esperando o tempo necessário para que eu crescesse e pudesse compreender a grandeza das pequenas coisas.

 

Grandes Enigmas da Humanidade

 

Em busca de respostas, a humanidade tem esculpido há séculos a grande pedreira que une razão, ciência, ficção e superstição. A resultante nem sempre tem agradado, porque no final das contas, “todos queremos acreditar”, como se precisássemos desesperadamente preencher a nossa alma com o inexplicável, como se o mito fosse o único elemento capaz de perpetuar os nossos próprios desejos de galopar o impossível.

Por isso toda explicação racional nem sempre é bem-vinda.

E mitos existem aos montes, aos milhares, há séculos e quanto mais inexplicáveis, mais apaixonantes se tornam.

Grandes Enigmas da Humanidade

Grandes Enigmas da Humanidade (360 páginas – capa dura) lançado pela Larousse oferece uma boa parte dessas explicações. A capa dessa enciclopédia de mistérios exibe uma das famosas “áreas de pouso” para discos voadores em Nazca ao sul do Peru. Será? O livro descarta a hipótese ufológica e prefere assentar as explicações nas palavras dos arqueólogos que acreditam que os desenhos se referem a equinócios e solstícios ou a um calendário meteorológico, mas em compensação logo depois, o livro inclui a declaração do chefe do FBI, Edgar Hoover de que o exército havia “cravado as unhas” nos “discos recuperados” e que por causa disso, não lhe davam pleno acesso à informação.

 

Escrito por diversos autores franceses, e obviamente focando muitos fatos ocorridos na França (há um capítulo inteiro pra essa tarefa: os ancestrais franceses), a obra se divide em 12 capítulos: Entre mito e ciência; os mistérios da Bíblia e do cristianismo; O significado oculto revelado; Nas garras do diabo; No centro dos fenômenos paranormais; Criaturas e animais extraordinários; Nos segredos das língua, dos povos e das culturas; Construções misteriosas; Mistérios da história da França, Pretendentes e impostores; na sombra da história e Dramas modernos.

Assuntos, os mais variados, são tratados de forma objetiva e em alguns casos, para eventos inexplicáveis, o texto apresenta as teorias. Diferentemente de livros do gênero, o Enigmas trata, também, de polêmicos assuntos da história europeia.

Maias

A obra discute se o modelo inacabado do big bang ainda serve com explicação para a origem do universo; se a panspermia (hipótese da vida na Terra ter nascido de organismos extraterrestres) referenda a vida como consequência da queda dos meteoritos (muitos ricos em carbono e água); se houve o dilúvio como descrito na Bíblia e quem a escreveu (o século XVII o filósofo Baruch Spinoza questionou racionalmente a origem dos textos sagrados) e se há explicações plausíveis para os prodígios do livro sagrado (ressureição, travessia do Mar Vermelho, as dez pragas do Egito); os manuscritos do mar morto; onde realmente fica o túmulo de Cristo (que se trataria de um arcosolium, uma mesa encimada por um arco abobadado, sobre o qual se depositava o cadáver); onde ficava o reino do padre João Presbítero, um soberano cristão que havia derrotado os muçulmanos em 2 dias em 1141; onde fica de fato a sepultura de São Pedro; se o Sudário de Turim é real (exames feitos em outubro de 1978 detectaram vestígios de sangue do grupo AB); se houve um papa mulher; quem era o conde de Saint-Germain, figura que encantou Paris entre 1758 e 1760 (uma interessante história conta que o duque de Choiseul, que o detestava, contratou Gauve um comediante para se passar pelo conde e que contava a todos que havia bebido com Alexandre, o Grande; comido nas bodas de Canaã e que conhecendo pessoalmente Jesus o alertara sobre uma morte abominável, o que ao invés de ridicularizar Saint-Germain, o fez mais famoso); fala sobre os rosa-cruzistas; astrologia, profecias e adivinhações feitas no passado; Nostradamus; Nicolas Flamel e a pedra filosofal; Cagliostro e a franco-maçonaria egípcia; Mesmer e a hipnose; a confraria secreta, a Liga da Corte Sagrada que julgava todo tipo de delitos e que impunha suplícios atrozes aos réus no fim da Idade Média; as bruxas de Salém; os comedores de múmias (os europeus chegaram a  consumir múmias em pedaços, como se fosse remédio, na forma de uma pasta escura e como pó desde o fim da Idade Média até o século XVI).

As pirâmides que vos contemplam

O fantasma de Ana Bolena; combustão espontânea e o poltergeist (espíritos batedores); a premonição sobre o fim do Titanic antecipada em detalhes pelo escritor norte-americano Morgan Robertson catorze anos antes (Robertson escreveu sobre o “maior navio já construído pelo homem”  e nomeou-o Titan); as mesas girantes das irmãs Fox e o médium voador Daniel Dunglass Home no final do século XIX; a experiência de invisibilidade feita com um escoltador da marinha americana na Experiência Filadélfia em 1943; Gilles de Rais, marechal da França aos 25 anos e companheiro de Joanna D´Arc executado pelos crimes de homicídio, magia negra e sodomia em 1440; casos de crianças criadas por animais; o Yeti, o homem das neves; sereias, lobisomens e vampiros; a incompreendida língua etrusca; os intocáveis na Índia; foram os bascos salvos do dilúvio?; as Amazonas; a torre de Babel; onde se localizava a Atlântida; os alinhamentos de Carnac (o caminho formado por menires isolados poderiam ter sido vários observatórios?); Stonehenge (apesar das divergências entre astrônomos e arqueólogos, a precisão dos locais de  megálitos  é muito grande para ser obra do acaso); as estátuas da ilha de Páscoa (mil delas, os moais, habitam na ilha; as pirâmides (o primeiro ocidental a penetrar na grande pirâmide no Egito foi o coronel britânico Howard Vyse em 1830, que abriu os corredores obstruídos com dinamite); o desaparecimento dos maias (o ápice da sua civilização se deu entre 625  a 800 d.C.); os reis franceses poderiam curar com o toque de suas mãos?; os cátaros (reencarnacionistas e “heréticos”, massacrados pela Santa Inquisição no século XIII, acreditavam que o mundo foi criado pelo demônio); Napoleão foi envenenado com arsênico?; a dançarina holandesa Mata Hari fuzilada na Primeira Guerra em 1917 espionava para os inimigos alemães? (como ninguém reclamou o corpo, após o fuzilamento, foi entregue à faculdade de medicina para dissecação); o misterioso Kaspar Hausar que ficou trancafiado 16 anos em uma casa no século XIX poderia ter sido filho de Stephanie de Beauharnais, filha adotiva de Napoleão?).

Objeto não identificado

Joana d´Arc escapou da fogueira? (com a cabeça coberta por uma mitra que a deixava irreconhecível, muitos acham eu a verdadeira Joana não foi queimada em 1431);.o czar russo Alexandre I teria sumido e assumido a personalidade de um vagabundo chamado Fedor Kusmitch?; os mistérios de Nefertite (Semenkhare, o faraó co-regente seria Nefertite?); Ramsés III foi assassinado por suas mulheres?; Tutancâmon e os 27 mortos que participaram direta e indiretamente da abertura de sua tumba; a guerra de Troia realmente aconteceu?; Homero existiu?; os fenícios estiveram na América do Sul? (mais exatamente na Paraíba, dois mil anos antes da descoberta do Brasil); Nero pôs fogo em Roma?; o Rei Arthur existiu?; a filha de Nicolau II sobreviveu ao massacre da família real russa?; Hitler era influenciado por sociedades secretas?; o que aconteceu com o cadáver do führer?; por que assassinaram Kennedy?; os atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos foram forjados?

A Sincronicidade da Escravidão

 

Na semana passada, o país ou mais precisamente o Rio de Janeiro, viveu momentos de tensão quando a polícia e o exército “retomaram” o Complexo do Alemão na Penha, subúrbio do Rio.

Muita coisa se falou, muitos foram a favor, poucos contra – da forma como foi feita  – e desses poucos, sociólogos avisaram que não basta falar em esperança, torcer por ela sem mudar a estrutura… é preciso muito mais do que falar. Para posar de esperançoso é preciso mudar as atitudes. Aqui não é o espaço para falarmos sobre política, mas esse é o espaço ideal para falarmos sobre aparências, discutir a diferença entre o discurso e o conteúdo da alma.

Essa conversa de “retomada” é curiosa. Retomar o que já é nosso? É a velha questão: o que não é tratado com carinho, o que é tratado com desprezo se perde e aí há que se falar em “retomada”, exatamente como ocorre no amor. A cena da “reconquista” do Alemão simbolizada pela bandeira brasileira tremulando no topo de uma edificação do PAC, não era, mas se assemelhava, de forma inconsciente, à dominação norte-americana do satélite lunar, com aquelas bandeirinhas duras fincadas na terra por astronautas com roupas de robô e assemelhava-se à bandeira russa hasteada em Berlim ou à cena (forjada) da bandeira americana hasteada na ilha japonesa de Iwo Jima. A batalha foi ganha, mas não a guerra e a imagem vale mais do que um terabyte de palavras.

Complexo do Alemão

É verdade que “bons” exemplos externos estimulam a melhora do ambiente e é melhor falar em esperança do que amaldiçoar tudo e todos, mas não basta torcer pela esperança, é preciso fazê-la florescer, gerar frutos, flores e raízes em nosso jardim interno.

 

Relato aqui os eventos ocorridos nos últimos dias.

 

Decidi comprar dois livros, um sobre o presidente Juscelino Kubitschek e outro sobre a Guerra de Canudos. Pesquisando as prateleiras encontrei um bem interessante sobre escravidão no Império e como não tinha grana para três livros, fiquei com o de Canudos e o da escravidão. O amigo-gerente da livraria de usados, insistiu para que eu levasse os três. Disse que não podia, apesar de querer. Ele fez um baita desconto que me fez “retomar” o do Juscelino.

Toda pequena ação, por mais pequenina que seja, se conecta às grandes, essas sim que abrem as portas. As pequenas são as pistas, miolos de pão indicando o caminho. Curioso, abri a primeira página do Juscelino, me perguntando porque o gerente quis que eu o levasse. Lá estava o nome da ex-proprietária com uma data e o bairro: o meu bairro. Sorri.

Pensei: esses três livros sobre o Brasil querem me dizer algo sobre “a retomada” do Alemão e me veio à mente, a imagem dos bandidos da Vila Cruzeiro, fugindo em debandada da polícia como mostraram as emblemáticas imagens exibidas pela Rede Globo. Quando vi essas cenas ao vivo, e como os traficantes estavam a uma boa distância, não foi possível ver-lhes os rostos, somente era perceptível que eram negros e muitos estavam sem camisa. O local da fuga era no alto de um morro, a estrada de terra, não havia asfalto e o mato campeava ao largo, nada de diferente da época da colônia. A TV parecia uma máquina do tempo para o Brasil colonial. Estava com o livro sobre Canudos na mão. Olhei-o com atenção e virei o rosto para o livro sobre escravos. Negros sem camisas, fugindo. Canudos não deixava de ser uma favela de excluídos e foi devastada pelo Estado por ser considerada monarquista, foco de resistência.

De um Quilombo...

A fuga dos traficantes de um quilombo para outro.

 

Minha percepção fez o resto: o Brasil não muda, vive de mudanças em conta gotas, que se fossem feitas a tempo, poupariam o país de muitos sofrimentos. A invasão do Alemão é um ato para a audiência. Para a “retomada” da alma é preciso muito mais, coisas que câmeras não mostram e que não dão audiência.

Quem tem que mudar somos nós.

A impressão inicial falou muita coisa sobre o que vivemos hoje em 2010, que não é muito diferente do que ocorria no final do século XIX. A promiscuidade da Casa Grande e Senzala continua.

José Bonifácio tentou incluir o fim da escravidão na Constituição de 1823. Não conseguiu. Bonifácio me lembra o antropólogo Luiz Eduardo Soares que mais de 150 anos depois teve que se exilar, como Bonifácio que foi exilado, por tentar consertar velhos erros.

O maior argumento da oposição escravocrata era que os negros tinham teto e comida assegurados e que na rua morreriam de fome. Patrões piedosos e escravos desprotegidos.

Erros sociais, erros espirituais.

 

Correntes

Os proprietários dos escravos tinham medo de uma revolta, nem podiam dormir direito com receio de que os africanos os esfaqueassem à noite em suas camas, exatamente como ocorre hoje quando a classe média e alta se tranca em prédios cercados por seguranças e grades. No passado, os donos engravidavam as escravas, tanto pela mania brasileira de ter vantagem, como pelo fato de que eles eram donos dos seus corpos. Hoje, a questão é que há um grande consumo de drogas e é estranho ouvir os mesmos consumidores pedirem que os traficantes sejam eliminados e as favelas “pacificadas”.

“… A CORJA IGNARA QUE POVOA AS FAVELAS TUDO PODE (…) O PRÓXIMO PASSO É NOS TRANSFORMARMOS NUM HAITI, O ÚLTIMO DEGRAU DA DECADÊNCIA HUMANA…MAS NÃO ESTAREI VIVO ATÉ LÁ…” Esse é um texto que encontrei na internet escrito recentemente por um senhor a respeito dos negros de classe média baixa e pobres residentes no mesmo bairro de classse alta. Provavelmente o autor da “reflexão” participa de missas e cultos, lê a Bíblia e se jacta de ser religioso, mas não entende o que a própria Bíblia explica.

Tropa de Elite ou Capitões do Mato?

As esposas dos senhores de engenho passavam as tardes conversando com as escravas, para não enfrentarem a própria solidão. À noite as escravas dividiam a cama com o patrão.

Ontem, quando adentrei na fila de apostadores esperançosos na lotérica mais próxima, o sistema estava fora do ar, breves momentos nos quais o sistema verdadeiramente cai, e ouvi: “Tenho 80 anos, esse país não tem jeito!”, vociferou a senhora, que não aparentava possuir as tais 8 décadas de “suplício”, com contas a pagar na primeira posição da fila de idosos, impaciente, por ter que esperar.

“Eu acredito no MEU país”, disse sem altercação.

Quando a respondi, não disse que acreditava em UM Brasil, no Brasil de todos, pois são MUITOS os Brasis, como são muitas as almas. Disse que acreditava e acredito no país que posso construir a minha volta, à minha imagem e semelhança.

Esse país é MEU porque eu não posso viver sem acreditar, como não posso esperar a contribuição sem contribuir, não posso caminhar se não acredito na força das minhas pernas. Como querer paz se não dou paz, como querer amor se não dou amor?

Eu não reclamo, faço. Mas isso parece que não vale nada em um mundo de aparências.

Na saída da lotérica, passei na porta do shopping bem alimentado e uma jovem bem alimentada, carregada de bolsas de grife, emitiu o seguinte pensamento para o seu amigo sob o jugo benéfico do ar condicionado:

“Tem que matar. Não pode deixar criminoso em penitenciária de segurança, tem que matar”, a “sinhá-moça” repetiu com seus óculos de grife.

Democracia de exceção, que beleza! O que serve para uns não deve servir para todos.  Muitos pensam assim, ela não é única mas a sinhá-moça deu o azar de passar por mim, que não admito ouvir isso e ficar calado. Não me assustaria de saber que ela faz parte de um grupo religioso ou tem amigos em ONGs.

A sensação, melhor dizendo, a regressão que vi – ou revi – nesses últimos dias é que nada mudará no país, no mundo, sem uma mudança interna. “Ter” uma religião ou uma posição social não é suficiente para te transformar em uma pessoa melhor, mas no mundo das aparências vale muito. De fato, as pessoas querem ser iludidas. A sinhá-moça sabe, com toda a certeza, que matar ou expulsar traficantes escravos não é o suficiente sem que os filhos dos senhores dos engenhos mudem, que abram mão de alguns dos seus prazeres em prol do coletivo, mas apesar disso ela não quer saber.

A verdadeira mudança é feita em silêncio. O clamor das massas serve para dopar e não para consertar, pode até servir para alertar, mas depois de uma boa noite de sono sem nenhum escravo pronto a clamar por liberdade na ponta da faca, não há quem não resista em acreditar que tudo está melhor, que há ordem e progresso.

Muitas vezes quando escrevo penso em apagar tudo e não publicar mais nada, pois me sinto falando com as paredes. Mas cada um desses exemplos citados, ao invés de me desestimularem, me forçam a seguir em frente, seja eu um Dom Quixote, um Profeta Gentileza ou eu mesmo.

Pena tenho, dos Escravos dos próprios prazeres e mentiras que NÃO se libertam, mesmo com a chave nas mãos.

Se falta AMOR, falta TUDO.

CORJA IGNARA.