Nossa vida é um filme

Meu irmão me deu convites para um festival de cinema brasileiro. “Por acaso” o cinema é ao lado de casa, o que facilitou a vida. Como ele mora longe, doou os ingressos ao irmão fissurado em sétima arte. Os filmes foram escolhidos aleatoriamente. Ele apenas “saiu pegando” os convites que via pela frente antes que acabassem. Eu também não procurei muitas informações sobre as películas, apenas administrei meu tempo para assisti-las. Em um dos filmes, o escritor Ariano Suassuna disse qual foi o primeiro filme que ele havia visto na vida: o mesmo desconhecido filme dos anos 1930, que eu havia descoberto na internet há uns 6 anos para utilizar na edição de um vídeo. Ariano havia assistido a um filme “por acaso” para 70 anos depois, eu descobrir o mesmo filme “por acaso”. No momento, estou bem dedicado a escrever sobre o Brasil. Literatura e Brasil parecem uma forte e amorosa conexão com Suassuna.

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Em outro dia do festival, um documentário citou um jornalista, famoso por textos virulentos e matérias polêmicas no século XX: David Nasser.  Lembrei que o mesmo havia tentado polemizar com o médium Chico Xavier. Não sei se todos conhecem a história, relatada no filme de 2010 sobre o espírita, mas Nasser se passou por um jornalista estrangeiro, para entrevistá-lo. Ao fim da entrevista, Chico brinda os dois “gringos” (incluindo o cineasta/documentarista Jean Manzon) com livros autografados. O objetivo da entrevista era desancar o médium, acusando-o de charlatanismo por não ter desconfiado que os jornalistas o haviam enganado. Um tempo depois, Nasser recebe uma ligação telefônica de Manson que pede para que ele leia a dedicatória na primeira página do livro presenteado por Chico. Ao abrir o livro lá estava: “Ao meu irmão David Nasser, do espírito Emmanuel.” O mesmo havia ocorrido com Manson.

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Pronto para mais uma noitada de filmes, dessa vez com a atriz reclusa, Ana Paula Arósio, pensei em rever no dia seguinte, o trecho do David Nasser no filme sobre Chico Xavier. E lembrei-me que a única vez que vi Arósio em carne e osso, foi no Paço Imperial, no centro do Rio, em 2010, quando ela estava gravando uma série para a Globo, com o ator José Wilker.

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Quando os dois passaram por mim, não nego que senti algo, digamos “estranho”. Já escrevi em um texto anterior que o Wilker cruzou a rua junto comigo em 2014 e quando nos olhamos, vi o medo em seus olhos. Logo depois, ele morreu.

Essas lembranças antecedem o ato “final” do festival, “dramático” como uma peça de Shakespeare.

Fui sem quaisquer expectativas para assistir ao filme com Arósio. Na entrada, passei ao lado do ator Nelson Xavier e me perguntei o que ele estava fazendo ali. Nem lembrei que ele havia interpretado Chico Xavier no filme de 2010. Assim que a película teve início, vejo Chico Xavier na tela, ôps, Nelson Xavier e me dou conta do por que o ator estar presente no local. Então, em uma cena, Arósio põe um vinil para tocar. Xavier diz como a música é linda e a capa do LP é mostrada na tela: reconheço o único LP de música erudita que tenho e que “por acaso” não comprei: me foi emprestado há mais de 20 anos e nunca devolvido. Xavier diz no filme: “Que música maravilhosa a de Villa-Lobos e ainda regida por ele!”

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Um dos outros atores do filme é Fernando Alves Pinto, citado em outro texto deste blog (o encontrei na rua após ver o filme Nosso Lar de 2010 e isso me chamou a atenção). Ao estudar a sua vida, tomei conhecimento de sua história de superação. Em 96, ele sofreu um acidente, ficou em coma e perdeu a memória. As aulas de clarinete o ajudaram nesse processo de cura que durou dois longos anos. No momento, também estou passando por um outro processo de superação de uma questão que se desenrola (e me enrola) há pelo menos, 3 anos.

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Houve várias outras “coincidências” no filme, mas não há como citá-las sem transformar este texto em um livro e essa não é a ideia.

Os eventos ocorridos nesta semana parecem ser “a resposta” a vários desdobramentos anteriores, de anos e décadas atrás. Prefiro não afirmar categoricamente que tenho “certeza” que a conclusão seria essa ou aquela, ou que exista destino, até porque não imagino o que está sendo negociado no plano do subconsciente. É saudável não ter absolutas certezas e é muito mais saudável estar liberto.

Sobre Crianças e Escravos.

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Uma história.

No dia do meu aniversário, realizei um antigo sonho: conhecer o memorial dedicado aos “Pretos Novos”, os escravos recém chegados ao Rio de Janeiro, mas que ainda não haviam sido “adaptados” ou “amansados”, por isso mesmo chamados de “Novos”. Desde o início deste blog – que em final de setembro de 2015, comemora 5 anos – venho alardeando minha ligação com o número 28. Para tomar a decisão de ir ao Valongo, soube que neste cemitério haviam sido identificadas 28 ossadas.

A história do local, na verdade um sítio arqueológico, é fascinante: o casal Guimarães comprara uma antiga casa na Gamboa em 1996, zona portuária do Rio, mas ao fazer a reforma, os pedreiros descobriram ossos humanos sob as fundações. Arqueólogos e historiadores da Prefeitura concluíram que a casa havia sido erigida sobre o antigo Cemitério dos Pretos Novos, cuja localização havia se perdido no tempo, ou pior:  esquecida deliberadamente.

Idêntico aos fornos crematórios nazistas, milhares de escravos (oficialmente, cerca de 6 mil) foram atirados ao chão, e não enterrados em covas. Jogavam-lhes terra sobre os corpos em um espaço de 110 metros quadrados – cercado por muros baixos de casas residenciais. As análises dos fragmentos, feitas a partir de 1996, indicaram que os ossos foram queimados após a descarnação em busca de espaço para tamanho número de cadáveres.

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Estar ali, naquele local em 2015, e ver os ossos à flor da terra, me provocou um profundo pesar e reflexão. Mostra-se evidente uma triste característica de nossa “brasilidade”: a negação (ou esquecimento) e a não aceitação dos fatos. Fingir que nada aconteceu, responsabilizar as autoridades e negar o holocausto são faces da mesma moeda. Uma contradição chamada país que se diz amigável, festeiro, e “pacífico”. Todos sabem que “chover no molhado” é responsabilizar as “elites”, mas também é inegável que, como o país foi construído, e tem sido até hoje, quem determina o “modus operandi” é de fato a elite política e econômica.

A comparação entre a carbonização dos corpos no cemitério carioca entre os séculos XVIII (o século das “luzes”) e XIX e os nazistas no século XX é óbvia: os alemães, um povo desenvolvido, também foram capazes de fingir que não viam os judeus serem segregados. Desde que houvesse estabilidade econômica, o resto era perfeitamente aceitável.

Ao revelar ao mundo, os horrores dos campos de concentração alemães em 1945, o General americano Dwight Eisenhower exigiu que os cidadãos de Gotha, enterrassem as centenas de corpos encontrados em um sub-campo de Buchenwald, em Ohrdruf no sudoeste da Alemanha. Após testemunhar o horror, o prefeito de Gotha e a sua esposa se enforcaram.

O Brasil se desenvolveu graças à escravidão, fez vasta fortuna que não foi redistribuída, e ainda aprovou arduamente leis contra o tráfico negreiro, após décadas de muita discussão entre os Senadores. O fim da mão de obra escrava “acabaria com o país”, diziam, e a mudança de escravo para empregado assalariado deveria ser “lenta, gradual e segura”. A comparação com a ditadura implantada em 1964 e a Alemanha da Segunda Guerra são inevitáveis.

Uma questão espiritual e pessoal.

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Ajoelhado perante aqueles ossos, minha cabeça pesou e meu coração se encheu de remorso e vergonha. Senti uma energia tão forte vinda daquele solo, que perdi o ar. Isso me fez lembrar de algumas vivências que tive com escravos, a cultura negra e crianças.

A mais antiga me foi relatada por uma tia, há dez anos. Por volta dos meus dois anos, ela me viu “dar baforadas” e fazer sinais ritualísticos de Candomblé. Minha mãe, assustada, havia pedido para que nunca mais tocassem no assunto.

Quando criança, estudei em colégio público e tive amigos em comunidades próximas. Ao visitar um vizinho negro em um conjunto residencial de baixa renda, o irmão menor dele, talvez com uns 13 anos encostou o cano de um revólver na minha cabeça “de brincadeirinha”.

Com menos de 20 anos, vi a mãe de uma amiga, bastante nervosa, com a presença de um grupo de negros com lanças e escudos na sala de sua residência. Apenas achei curioso, mas fiquei alerta.

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Nesse período, presenciei em meu prédio um porteiro negro impedir uma visita de subir no elevador social porque era negra. Ela disse ser advogada e o porteiro alegou obedecer ordens do síndico. Depois, uma vizinha, professora de inglês, me perguntou por que eu recebia amigos negros em casa.

Uma década depois, vi a mãe de uma namorada incorporar um espírito infantil no dia das crianças e pedir para brincar de carrinho com ela, sentados nós dois, em meio à sala.

Passada mais uma década, um Exu me aconselhou a tomar cuidado com a pessoa invejosa ao meu lado. Era uma ex. Para amenizar, o Exu me pediu para tomar banho de ervas, lavar-me com Sabão da Costa – cuja origem é do Golfo da Guiné na África – e acender velas para as almas dos escravos na Igreja de Nossa Senhora da Lampadosa, no centro do Rio. Ao estudar a história da igreja, soube que, a caminho da forca, Tiradentes fez ali as últimas preces em plena rua, pois condenados não podiam entrar em igrejas, e que se dizia que o escritor Machado de Assis (meu favorito) havia sido sacristão no local, o que é refutado pela falta de comprovação documental, mas fato é que a igreja da Lampadosa é citada no conto “Fulano”, publicado no livro Histórias Sem Data.

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Após essas dicas do destino, estudei a história da escravidão no Brasil e certo dia, há alguns anos, assisti a uma entrevista na TV Brasil com a dona da casa, onde hoje é o Memorial aos Pretos Novos. Foi a única vez que a ouvi citar um evento espiritual. Ela havia dito que ao entrar em um departamento do governo para tirar uma documentação sobre a casa, o atendente ficou lívido ao ver que atrás dela havia um grande número de escravos.

Perguntei à dona do local sobre a história relatada na TV e ela me contou que uma médium americana, em visita ao Memorial, contou ter visto espíritos de crianças na área dos ossos, que pediam para brincar, como se nada houvesse acontecido, como se o tempo não tivesse passado.

O que muito me comove é que a descoberta das ossadas ocorreu em 1996, 108 anos após a Lei Áurea e 166 anos após o esquecimento do local do cemitério, em 1830.

Retorno à uma questão anterior e falo das chagas que ainda enlameiam a história de duas nações citadas, o Brasil e a Alemanha. Se esses países não tomarem medidas severas contra o preconceito, ainda reinante, e se não ensinarem às crianças, desde muito cedo, as consequências da cultura do ódio, inevitavelmente veremos os mesmos erros se repetirem.

O que fará a Europa sobre a chegada em massa de imigrantes africanos? Construirá novos campos de concentração? E o Brasil a respeito das domésticas e dos concursos públicos com cota para negros?

Então, de que adianta falar em fraternidade, e amor universal, se ainda acreditam em superioridade racial?

A vida ocorre agora. O resto é memória.

sinc_mae_20_8_15_1921-22 Pablo Picasso (Spanish artist, 1881–1973) Mother and Child.

Viver o hoje, o aqui e o agora é a solução para nos afastar das armadilhas da mente. É um exercício diário, constante, e a bem da verdade, complexo. A tentação é grande em vivermos entre comparações, entre o que foi e o que há. Quando, por exemplo, acreditamos que uma gripe anterior é “parte” de uma gripe atual, por assim dizer.

A mente funciona como uma câmara de eco. Idéias do passado, mágoas, lembranças de ontem batem na parede, e retornam ao ponto de origem amplificadas. E incorremos em grande perda de tempo ao valorizar ecos que não são reais. Uma boa forma de tratar um trauma é não dar-lhe importância. Não desprezá-lo, mas não valorizá-lo. As lembranças não devem nos impedir de agir. A vida ocorre agora. O resto é memória.

Você sabe que o passado “existe”, mas ele já ocorreu, não acontece neste segundo. Por isso todo o tempo usado remastigando o que já foi engolido só cria suco gástrico e úlceras mentais. O coração fica pesado e rubro. Paralisado. O que “resta” após as nossas experiências (do passado) é uma espécie de reflexão. O trauma é o excesso, o eco reamplificado. E quem alimenta tudo isso somos nós quando damos importância a ecos. É a mesma coisa que fazemos ao julgar os outros pelos nossos parâmetros. Cada um é uma experiência única. Mas a maioria precisa de líderes sejam religiosos ou políticos para dizer-lhes o que fazer. Você pode ser o seu líder sem ser alguém desumano ou egoísta. Se você consegue conviver com isso, ótimo. Se não consegue aprenda a negociar ou se afaste…

As coisas que eu posso resolver agora eu resolvo. As que não posso, ou não quero, deixo para quando for possível. É como administrar as contas. Não dá para pagar tudo quando nos vemos entre a cruz e a caldeirinha. Saldamos o que é prioridade e administramos as dívidas. Os luxos (ou excessos) passam a não ter importância. E se alguém depende “miseravelmente” dos luxos para viver…

A pergunta é: como podemos negociar as soluções?

As histórias que relato no texto de hoje dizem respeito a “tratar” o passado de forma terapêutica. Pelo menos é o que ocorre comigo, e tem servido como motivação.

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Tenho algumas histórias com minha mãe, muitas não muito agradáveis. Ela pode ter feito 80% de coisas ótimas, mas os 20% marcaram demais. Hoje, entendo vários dos seus “defeitos”, e não a julgo o que passou, mas sei que influenciaram o que ocorreria depois. Toda ação gera uma reação, muitas vezes inimaginável. Muitos pais, em sua autoridade – ou falta dela – se excedem, e alegam que não o fazem por “mal”, mas por “acharem” que fazem o “melhor para os filhos”. Muito disso é questionável. Mal comparando, é como a questão da maioridade penal ou de castigar os filhos. Há os contra e os favor. Quem ganha? Quem perde?

De todas as artes com as quais me envolvi, o desenho é – para mim – a mais terapêutica. Minha primeira paixão foram as histórias em quadrinhos. Colecionava várias revistas de superheróis, por volta de dez anos de idade. Certa vez, fiz alguma “malcriação” para minha mãe e ela rasgou cada uma das revistas – e era uma pilha -, bem na minha frente. Eu implorava, me agarrava em sua perna, chorando, para que ela parasse. Mamãe prosseguiu dizendo que eu deveria “virar homem”. Vi meus heróis virarem pó.

Para não dramatizar muito, mas já dramatizando, lembro que me ajoelhei perante àquele monte de papel e senti uma dor imensa, muito maior do que o meu tamanho, com apenas uma década de vida. Ninguém merece… Sei que apenas tive revistas rasgadas, e hoje, acho bobo ter chorado por causa disso, mas não eram revistas, eram sonhos. Conheci meninos da minha idade estuprados e vivendo em condições miseráveis, mas essa era a minha “realidade” de menino de classe média. Nunca vi criança de dez anos ter consciência social…

Desde àquela época decidi não mais desenhar. Perdi as forças, por assim dizer. Ainda tentei, mas não estudei, e nem me esforcei o suficiente e acabei deixando para lá. De certa forma, senti que não era mais para mim, que a “missão” era outra e que o tempo daria cabo ou resolveria a questão. Até parecia que eu fazia algo errado quando segurava um lápis… Muitos sofrem bullying no colégio. Meu primeiro bullying foi em casa…

Por que (re)conto essa história? Por que falo sobre não lembrarmos de traumas e recupero um? Para quê?

Passados 40 anos, um amigo me trouxe um presente: uma das revistas, uma das mais simbólicas, dos meus dez anos de idade. Ele nunca soube dessa história. O link entre os fatos foi inconsciente. O amigo serviu de ponte entre o passado e o presente para me intuir a respeito de um desejo relutante: retomar os pincéis.

Sabe a sensação de um filho sair pela porta de casa e voltar 40 anos depois? Qual seria a sua reação? Admoestá-lo ou perdoá-lo? Ter de novo a revista em minhas mãos apagou 4 décadas de intervalo entre um evento e outro. O religamento foi tão intenso que pesquisei na internet grande parte das revistas rasgadas. Nos anos 70, ninguém imaginaria ser possível “baixar” livros ou filmes. Era coisa de Jornada nas Estrelas. Aquela era a época do ter ou não ter. Hoje, grande parte do acervo mundial está disponível, como “energia” e não mais como algo físico, como “matéria”. Mesmo que não seja para lê-las, as baixei para recompor a partitura perdida, rasgada há tanto tempo, e principalmente para me perdoar e perdoar mamãe. Não mais me importa o fato de tê-las fisicamente ou não, isso não faz a menor diferença. Não se chora sobre o leite derramado. O que me importa hoje é compreender e me desapegar de todas as energias e lembranças ruins. E isso nada tem a ver com negação.

Tive vários insights poderosos ao recuperar as revistas rasgadas. O maior deles, voltar a desenhar. E é o que tenho feito. Esta arte abaixo foi feita ontem.

Todo dia é um novo dia para recomeçar.

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Abacaxi

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Uma leitora nos enviou o seguinte relato:

De visita ao Rio de Janeiro, caminhei em direção ao Hotel Debret em Copacabana onde meus pais passaram a lua-de-mel há mais de 50 anos. O edifício me faz rever o passado com carinho e aviva lembranças das várias vezes em que minha família, com três filhos pequenos, retornou à cidade.

Ficávamos sempre neste hotel em Copacabana. Um pouco depois, e com mais dinheiro, meu pai trocou o hotel antigo por outro mais caro em São Conrado. Na época não liguei os pontos, mas hoje é clara a razão. O hotel de Copa era agradável e recheado de lembranças afetivas, mas o meu tio, irmão da minha mãe, criticava o apego “tolo” em ficar em um hotel com menos estrelas na parede do que o bolso já permitia.

Abandonamos o Hotel Debret, mas ele não nos abandonou, tanto é que hoje, em 2015, cumpri o ritual de passar em frente ao prédio para matar as saudades. Ao olhar a fachada, tento resgatar um pouco do clima de uma época em que não havia nenhuma preocupação. Me vem à mente o reveillón em que assistimos à corrida de São Silvestre ao vivo, no bar do hotel, e no dia seguinte ao entrar no mar achamos diversas notas de dinheiro ofertadas à Iemanjá.

Ao lado do Debret há uma feira, que me recordou das antigas conversas de papai sobre a qualidade dos abacaxis. Até hoje, abacaxi é a minha fruta preferida. Mal deixei o Debret, passei nessa feira próxima para comprar um. O vendedor alertou-me de que não estavam bons. Mesmo assim, pedi que escolhesse o mais doce, e a sua mulher perguntou se poderia arrancar a coroa. Eu disse que sim. Ela removeu o topo da fruta e exclamou, sorrindo: “Está amarelo!”.

Ao ligar a TV, no mesmo dia, vi em um programa de humor, um ator arrancar a coroa de um abacaxi e exclamar: “Está amarelo!”.

SINCs do dia-a-dia

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Comentei sobre o filme espírita “Nosso Lar”. No dia seguinte, cruzei com o ator Fernando Alves Pinto – que trabalhou nessa película – descendo a esquina de casa.

Lembrei do caso do Imperador Maximiliano de Habsburgo-Lorena (primo-irmão de D. Pedro II, que pretendia se casar com Dona Maria Amélia, filha de D. Pedro I. O matrimônio não teve continuidade por causa da morte da princesa). Maximiliano foi elevado à Imperador do México, pelos franceses que o abandonaram à própria sorte. Maximiliano acabou por ser fuzilado pelos mexicanos. No dia seguinte, liguei a TV e assisti “por acaso” a um documentário sobre o pintor Édouard Manet que tornou mundialmente conhecida a cena do fuzilamento.

Pensei em determinada pessoa que não ouvia falar há mais de um ano, ela enviou um e-mail; depois pensei em outra (“Bem que ela poderia aparecer nessa hora”) e ela enviou outro e-mail no mesmo dia, algumas horas depois.

Para evitar fofocas e maledicências, opto por não esconder nada que possa ser mal interpretado (e muitas vezes, ocorre mesmo assim). Só de pensar nisso rolou um disse-me-disse. Expliquei o meu ponto de vista, antes que falassem mais do que eu havia dito. São as coisas chatas da vida que devem ser feitas. Nada a ver com quebra de confiança ou de promessas, foi uma conversa limpa e clara sem intermediários. Quando isso volta a acontecer sempre opto pela conversa, mas nunca deixo o meu ouvido ser lotado de reclamações que descarregam a pessoa e me sobrecarregam. Se a pessoa entender, ótimo, se houver um diálogo, ótimo. Caso contrário que cada um siga o seu caminho. Não é um processo indolor, mas separa alhos e bugalhos, o que sempre é melhor do que manter pessoas unidas à força. No mínimo, o processo de amadurecimento ou ruptura seguirá o seu caminho e a situação não mais ficará estagnada. Quando a sincronicidade indica esse caminho é o que faço.

Sonhei com determinada pessoa. Como era uma energia ruim, preferi dar crédito a este sentimento inconsciente. Sem julgar muito o significado, mas tendo que fazer algo, para não me culpar depois, cancelei o encontro.

Há “amigos” de muitos anos que a gente até gosta, mas que mais aturamos do que realmente gostamos. Há os lamurientos, os exibidos, os carentes, os convencidos, mas há uma espécie que são os que reclamam de tudo, falam mal de todo mundo, te criticam sem parar e se acham seres superiores. Como no exemplo acima, não faço nada para magoar a pessoa até que o sinal vermelho é aceso. A pessoa me prometeu mil coisas, me fez assinar documentos e nada fez, me metendo em uma “pretensa” enrascada, que na verdade me amadureceu. Peguei tudo que pertencia a essa conhecida, meti em um saco e deixei com ela sem dar muitas explicações. Foi para “causar”? Claro que não. Acho que a maior explicação do que esse movimento não existe. Achei indigno jogar no lixo e também não queria mais dar uma de b….a. O movimento, me parece, que foi bom para ambos, se encaixou no padrão de cada um: eu segui o meu caminho, e a pessoa retornou a um estágio anterior sobre o qual ela sempre reclamava comigo.

Estava editando um vídeo gravado na cidade de Santa Isabel, interior de São Paulo e parei para descansar. Liguei a TV e estava dando um caso de disco-voador na cidade de…

Um amigo tem um monte de “medos” e um deles é andar de pedalinho – na água. Ele tem pavor de afundar. Prometi que lhe daria um presente caso ele aceitasse entrar em um pedalinho comigo no final de semana. Após anos de insistência ele topou. E qual não foi a nossa surpresa quando toda a água do lago do pedalinho evaporou por causa da seca que assola o sudeste do país?

De manhã, vi na TV que o beija-flor come duas vezes o seu peso. Sorri e pensei: “Daqui a pouco virarei um deles de tanto comer!”. Horas depois, à tarde, saí para comer. Subi até o terceiro andar de um prédio. Escolhi uma mesa, cercada por várias outras, todas lotadas. Um beija-flor surgiu do nada e estacionou em cima de minha mesa, durante microssegundos. A cena foi tão intensa, que aquele instante mínimo parecia em meu coração um longa-metragem.

TODA AÇÃO TRAZ UMA MISSÃO

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As melhores lembranças da vida são as agradáveis. É por aí mesmo. Rir é melhor do que chorar. Mas são as crises que nos fazem crescer ou cair no buraco de vez. É válido não esquecer os acontecimentos difíceis ou ruins, faz parte, nos ajuda a não repetir certas coisas, a seguir em frente. Viver só a alegria ou só a tristeza total, e sem entender o porquê, é uma péssima escolha. O equilíbrio entre os dois extremos é importante para a saúde mental, física e espiritual. Mas cada um que sabe o que é melhor para si, não dá para impor nada a ninguém. Dá para fazer tudo certo? Claro que não. Somos imperfeitos, porque perfeição não existe, ser imperfeito não é uma escolha nem opção, é como somos. E fazer o nosso melhor, quando você quer, sempre é uma missão. O defeito que você vê no seu amigo ou parceiro e que muito o incomoda, deveria servir para a compreensão de quem você é e como você age. Se você fizer um pouquinho de força, e conseguir se colocar no lugar do outro, com as limitações do outro, ajuda muito. Quando não der mais para perdoar, ou aturar, o melhor é dar tempo ao tempo, ou cair fora ou até mesmo aguardar que o próprio mundo dê algum jeito. E toda ação traz uma lição.

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Assim como o tempo marcado pelo A.C. e o D.C., o antes e o depois, marco o desenrolar da vida com fatos importantes, agradáveis ou tristes e consigo ter uma visão mais ampla do que fui, sou e provavelmente serei. Ajuda muito a me entender quando revejo o passado e analiso as consequências. Para isso, delimito o tempo com “após” e “antes” de tal fato.  Dá para entender direitinho, o que era só fase ou o que é a sua personalidade; se foi uma conclusão particular, sua, própria, ou se a escolha foi influenciada pelo meio ambiente. Nessa análise, nessa revisão de vida, obviamente, entram muitas sincronicidades que revistas a posteriori, nos mostram conclusões até mesmo inusitadas. A conclusão que gosto mais, é a que tudo o que vivemos hoje está intimamente ligado a fatos do passado, que vem desde a infância. Você crê que a escolha que você faz hoje é derivada da sua percepção de adulto vivido, mas não é apenas: ela também é consequência de histórias (pode mudar a  palavra para “crenças”) que você viveu. Mamãe costumava se explicar dizendo que “mas é assim que me explicaram” ou “mas foi assim que me ensinaram”, sem se dar conta que dá para rever tudo, até mesmo o que nos ensinaram, porque foram ELEs que ensinaram e não NÓS que aprendemos.

O que vimos e vivemos no passado influencia, inconscientemente, tudo o que virá. Por exemplo, hoje, você pode viver uma situação igual a de um livro que você leu há 20 anos, ou a sua vida atual pode estar se desenrolando sincronizada com as histórias de uma novela gravada há 36 anos! Ou pode ter sido influenciado por algo que falaram ao largo, quando você tinha apenas 10 anos e na época você não entendeu nada, mas ficou guardadinho no seu interior, aguardando o momento para aflorar. Sim, isso é possível. Isso é mais real do que a realidade. Muita gente, e porque não, encontra a verdade nas páginas da Bíblia, mas olha só: você pode ouvir a palavra de Deus através de uma novela. Assim como você pode perder o seu tempo com as duas, caso você não entenda o que está acontecendo e que continue aceitando o que “te ensinaram”. Essas palavras, isso que escrevo agora, também, podem ser interpretadas conforme a sua conveniência. Tem quem parta logo para o colo de Satã, e diga que todo o mundo atual é uma droga por causa do seu namorado, da sua mãe, do catolicismo, do judaísmo, do Brasil, da Dilma, do PT, do PSDB, dos muçulmanos, dos nigerianos, da Argentina, dos EUA, da Rússia, etc, etc, etc. Tanto faz o nome. Estamos todos conectados? Sim. Se um país rico espirra, o pobre pega gripe? Sim. Mas dá para ser diferente, fazer diferente e mesmo assim interagir com o mundo sem que ele mande em você, 24 horas por dia. A questão é você e não os outros. Isso não tem nada a ver com egoísmo, que é uma história completamente diferente, tem só a ver com escolhas, motivadas por valores aprendidos ou ensinados. John Lennon dizia uma coisa forte, e típica de sua época: que não há fronteiras. Que fronteiras e países são ilusões, porque foi como NOS ensinaram. Todo mundo sabe que no mundo “real” há fronteiras, mas todos gostaríamos que não houvesse fronteiras, porque somos todos irmãos, celularmente falando. Todos somos energia, células, átomos. E quando vistos do espaço, somos mais células ainda. Aí sim não mais diferença entre humanos e animais.

Você tá chateado? A sua vida é uma droga? A de muita gente também é, por várias razões, mas eu tenho os meus motivos e eles os deles. Não dá para generalizar. Todo mundo é um universo. Mas, só dói mesmo quando cai na sua cabeça ou dói no seu bolso. Mas dá para você escolher o caminho a  seguir, mesmo debaixo de um bombardeio. Não se esqueça, nunca, que estamos todos ligados, conectados. Ninguém vive sozinho, porque para a água sair pela sua torneira, você depende de gente que você nunca conhecerá, mas que afeta a sua vida diariamente. Mas a escolha é sua. E a consequência também. Toda ação traz uma missão.

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A CARTA DA MORTE

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Tenho por hábito tirar uma carta (dos arcanos maiores) de tarot, de manhã cedo, para que no final do dia, eu possa estabelecer uma correlação entre o arcano e o “resultado” (e a devida compreensão) das 24 horas. Muitas vezes, fico semanas sem tirar uma carta, ainda sentindo que a leitura dada pelo arcano, ainda não se desfez.

Esta postagem comenta uma carta do jogo de tarot, tirada “ao acaso”, e que me fez pensar mais uma vez sobre a vida. E a morte.

A partir dos 20 anos, realizei muitas coisas, e apesar dos conflitos internos, e das divergências. Ainda desejava realizar algo “dentro” deste mundo, realizações mais externas do que internas, por assim dizer. A década de 90 foi um período de estudos esotéricos, fenômenos e participação em  fraternidades e grupos espiritualistas. E comparativamente, o eu de hoje, ao analisar o eu do passado, “o vê” como um “produto do seu tempo” ou do tempo “dele”.  A cada nova década de vida, e principalmente após os 40 anos, deixei de acreditar em muitas coisas, e incrivelmente o mundo se tornou mais mágico.

Hoje, espero menos do mundo e das pessoas. Essa grande diferença – aprendida a duras penas, não nego  – é um dos caminhos para o desapego.

Esqueci de falar… Tirei a carta da morte.

Para quem a vivencia, a carta da morte é mais do que uma chance para mudar: é simplesmente a morte do que já não tem vida, é o fim do que não é mais necessário, do que não existe. Se recebemos a morte de braços abertos, ela apenas se comporta como um farol que alerta os navios para que não se percam no mar. Caso, se deseje correr da morte, aí sim, talvez o seu navio se choque nas rochas e afunde.

XIII-Morte

O alcance da morte é inusitado, pode não ter nada a ver necessariamente conosco, mas com as escolhas que fazemos e o universo criado – por nós – a nossa volta.

Vivenciei várias “mortes” nesta última semana, após a leitura da carta.

1 – Na última postagem falei sobre um parque público, no qual fui meditar há uma semana. Há uma belíssima mansão no local, cujo proprietário a mandou erigir na metade do século XX, para a mulher, uma cantora de ópera italiana. Ao estudar a história do parque, e da casa, encontrei o seguinte trecho:  “A escritora Marina Colasanti é sobrinha-neta de Gabrielle, a dona da casa.”  Marina é irmã do ator Arduíno Colasantique faleceu há 3 dias.

2 – No final de semana, assisti a uma entrevista do cantor Alceu Valença, na qual ele citava o violonista Paco de Lucia. Hoje, 3 dias depois, Paco falece no México.

3 – Há um vídeo na internet sobre o bate-boca entre um cineasta e um manifestante vestido de Batman, na porta de um shopping no Rio de Janeiro.

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O encontro ocorreu há mais ou menos um mês. Há duas semanas encontrei esse cineasta na esquina de casa e batemos um papo. Anteontem, antes de dormir, dei uma zappeada nos canais e vi que iria ser exibido um filme bem conhecido desse cineasta. Decidi assisti-lo. Um dos personagens era um vovó que não falava e que estava sempre em sua cadeira de rodas, assistindo a TV. Certa noite, os netos o encontram morto na sala: havia falecido em frente à TV… Um dos atores deste (grande) filme era o (também grande) Guará Rodrigues, que trabalhou em várias produções do cinema novo.

Guará Rodrigues
Guará Rodrigues

4 – Semana passada fui assistir à restauração do filme “Copacabana Mon Amour” de Rogério Sganzerla. Um dos atores que participaram do filme era o Guará Rodrigues.

Helena Ignez e Guará Rodrigues
Helena Ignez e Guará Rodrigues

Fiquei com a pulga atrás da orelha, nem sei direito o porquê e me meti a pesquisar ontem sobre o Guará. Para meu espanto, descobri que há alguns anos, ele foi encontrado morto, assistindo à TV… 

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O DESENHO DA VIDA

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Acreditamos que a realidade é apenas a realidade, o reino do palpável. Porém, creio que o “real” seja mais fruto de nossas percepções e escolhas, do que de uma única realidade comum. Acredito que a visão tradicional da realidade é apenas uma parcela das inúmeras possibilidades, que não acessamos “normalmente”. Mesmo assim, várias possibilidades parecem interagir simultaneamente, quando, vivenciamos as sincronicidades.

Realidades paralelas?

A teoria das super cordas permite “calcular” o possível número de dimensões espaço-temporais.

“A grosso modo, é como medir a distância entre dois pontos. Se girássemos o nosso observador para um novo ângulo e a medíssemos novamente, a distância observada somente permaneceria a mesma se o universo tivesse um número particular de dimensões. Quando este cálculo é feito, o número de dimensões do universo não é quatro como esperado (três eixos espaciais e um no tempo), mas vinte e seis. Mais precisamente, a teoria bosônica das cordas tem 26 dimensões, enquanto a teoria das supercordas e a Teoria-M envolvem em torno de 10 ou 11 dimensões.” (Wikipedia.)

Uma, duas, mil realidades, mil possibilidades.

Este preâmbulo antecipa uma história pessoal de possibilidades e consequências, 40 anos depois.

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Meu primeiro sonho foi ser desenhista de quadrinhos, antes mesmo de fazer 10 anos. Meu avô era crítico de arte e colecionava pinturas. Minha mãe tinha medo do vovô, e talvez por causa disso, esse medo influenciasse o seu julgamento sobre arte em geral, para ela, algo incompreensível e inútil. Digo isso, porque ao confessar à mamãe que eu desejava ser artista, talvez com uns 10 anos, o mundo quase caiu. Ela me ameaçou para que eu desistisse, inclusive de me expulsar de casa. Convenhamos que ameaçar um adulto é uma coisa, mas ameaçar uma criança é outra bem diferente. Ela detestava que eu fosse diferente da maioria. Ela me disse isso com todas as palavras, que hoje interpreto como medo, o pavor de não ter controle sobre a situação. Eu possuía uma coleção de quadrinhos da editora Ebal, com algumas dezenas de revistas. Um dia, mamãe as pegou e na minha frente, as rasgou ao meio, uma a uma, me ordenando que eu me tornasse um “homem, com um emprego e uma família”. Eu me agarrei às pernas dela e implorava para que parasse, entre lágrimas, que não paravam de cair. Ela rasgou até a última das revistas, até sobrar, apenas, uma pilha de quadrinhos dilacerados, como se esperassem um fósforo para virarem fogueira. Foi a minha primeira dor excruciante. Isso seria o suficiente para chamá-la de monstro? Para mim, ainda não, até porque não lembro se algo a mais causou a sua ira. Talvez, alguma questão entre ela e papai, que ela preferiu descontar em mim…

desenho_TARZAN EBAL Junho de 1969

Não acredito que existam pessoas totalmente boas ou más. A monstruosidade espelha o seu grau de convicção em suas verdades e no tamanho de seu medo. Essas energias podem te levar a mentir, enganar, chantagear, caluniar, ser covarde, mas ainda assim não te transformam em um monstro, que só deveria ser considerado um, se as suas ações afetarem um grande número de pessoas.

 …

Estou passando, há alguns anos, por uma mudança pessoal/profissional, que tem tudo a ver com a história relatada acima.

Hoje acredito que por causa das revistas rasgadas, desisti da carreira de desenhista, para me tornar algo ainda mais incômodo: músico. Uma ação que gerou uma reação, até então inesperada, até mesmo para mim.

Tive uma carreira musical constante por mais de 30 anos, mas a música não tem despertado maiores interesses em mim, por não ser mais divertido como era. E hoje, preciso de um bom motivo para tocar ou compor, prioritariamente profissionais, enquanto que é bem mais fácil e prazeroso, escrever.

Já confidenciei neste blog, que uma de minhas paixões é História do Brasil. E as sincronicidades me fazem vivê-la, acredito, para que seja possível eu me entender e paralelamente, compreender o país e as pessoas.

 Relatando os casos dos dois últimos dias.

 Primeiro, os “históricos”.

 J. Carlos

J. Carlos

Retirei um velho livro de José do Patrocínio da prateleira para reler.  No mesmo dia, na TV exibiram um bom documentário sobre o jornalista/escritor. Dois dias antes, eu estava no centro da cidade e resolvi visitar o Museu de Belas Artes. Para minha surpresa, uma das exposições, era sobre um dos meus desenhistas favoritos, J. Carlos. Fiquei igual pinto no lixo, ainda mais que eu não sabia de nada. No mesmo local, há salas dedicadas ao trabalho de outro caricaturista, o Cavalcante.

Tim Maia desenhado por Cavalcante

Tim Maia desenhado por Cavalcante

Querendo saber mais sobre ele, fiz uma pesquisa na internet e sem querer, ao invés de Cavalcante saiu Di Cavalcanti. O texto era esse:

“Di Cavalcanti nasceu como Emiliano Augusto Cavalcanti de

Albuquerque e Melo, no Rio de Janeiro e na casa do famoso

abolicionista e republicano José de Patrocínio situada na rua do

Riachuelo, que na época era casado com a sua tia Maria

Henriqueta…”

 

Fala sério, né?…

Hoje de manhã, antes de escrever este texto, cismei de escutar uma das horrorozidades gravadas pelo casal John Lennon e Yoko Ono na fase final dos Beatles.  E sabem quem está hoje, na primeira página da Folha de São Paulo? Yoko, a Ono.

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Ontem, caminhando pelo Passeio Público, na cidade do Rio de Janeiro, vi que alguns prédios do século passado estão sendo reformados. Fiquei feliz, porque sou um preservacionista. Mas um deles, ainda em péssimo estado me chamou a atenção. É uma construção antiga, ao lado da Escola de Música, antes mesmo de chegar a Lapa.  Decidi entrar pelo menos no vestíbulo, pertinho da porta. O interior todo destruído, sem sinal de reforma e com apenas um vigilante, que estranhou a minha chegada. A placa dizia: “Proibido entrar sem equipamento de proteção”. Mas querem saber… Entrei um pouquinho, mesmo que fosse pouco, mas meu coração bateu acelerado. Senti a história pulsando dentro da enorme casa. Senti uma estranha sensação de que deveria colocar a minha segurança em risco, e subir as escadas até o final da construção. Mas não o fiz. Impressionado pelo que havia sentido, pesquisei sobre o prédio.

 O nome é Automóvel Clube, que no século XIX se chamava Cassino Fluminense, e era frequentado, também, pela Família Real.  Há pouco, o governo fez uma grande homenagem a Jango Goulart, ou Jango, o Presidente deposto pelos militares em 1964. A história fala muito sobre o famoso discurso de Jango na Central do Brasil, para milhares de trabalhadores, em 13 de março de 1964, o número invertido da data “oficial” do golpe: dia 31, mas foi exatamente neste Automóvel Clube que Jango fez o seu último e mais radical discurso, em 30 de março.

 Aquele local onde senti algo muito forte, foi palco de duas grandes mudanças. Ambos, a Família Real e Jango, foram depostos por militares e em ambos os casos, a história deste país foi profundamente afetada.

 O caso dos desenhistas.

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Um conhecido de outro Estado pediu para ficar uma noite aqui em casa. Com ele, veio um amigo dele, que me falou ser neto do desenhista Eugênio Colonnese, um de meus ídolos de infância. E o rapaz falou que era fã do meu trabalho.  As conecções me soaram interessantes, como se o fato de eu gostar do trabalho do avô dele, o trouxesse, inconscientemente, a mim. Seria uma conecção sendo refeita e resgatando o meu antigo desejo de ser desenhista? Ainda não possuía subsídios para julgar e aguardei por mais “provas”.

 Jayme Cortez

Jayme Cortez

Ontem fui pesquisar sobre o Colonnese e encontrei na internet mais dois idolos do passado, o Jayme Cortez e o Ivan Wasth Rodrigues.

 Há meses, tenho jogado várias coisas fora. No bonde da limpeza, separei vários álbuns de figurinhas e dois Atlas antigos do colégio. Gosto muito de um deles, mas nem sabia direito o porquê. Simplesmente, separei os dois Atlas para jogar fora, mas me senti mal,e  só joguei fora o primeiro, preferi guardar o segundo. Isso ocorreu há menos de duas semanas. Ontem, descobri em uma entrevista na internet, que o Atlas que salvei havia sido desenhado pelo Ivan Wasth… Um dos desenhistas descritos na trindade acima.

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Ivan Wasth Rodrigues

E ontem, ao me lembrar de minhas antigas revistas rasgadas, pesquisei a história da editora Ebal, para mais vez comprovar a existência de um ciclo, que me pareceu muito plausível e me convenceu que uma nova vida se inicia, que um novo período de possibilidades ocorre, agora, em nossas vidas, mesmo que acreditemos que estamos cansados demais para o novo, ou que já fizemos tudo ao nosso alcance.

A nossa vida começa AGORA. Mesmo que ela tenha sido adiada. Não importa o por quê.

POR ENTRE RUAS MÁGICAS E ANÕES

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O leitor já se perguntou como conseguia ter tempo para fazer tantas coisas em 24 horas, se hoje parece difícil fazer a metade? Essa questão é uma constante. Há explicações racionais e outras nem tanto, essas últimas, as minhas favoritas.

Fato é que temos que ter tempo para nós, sem egoísmos. Nada de se lamentar sobre o que se faz ou se deixa de fazer. Há que equilibrar o tempo com os outros e o tempo conosco.

É necessário sim, resolver as nossas questões, pois elas são nossas e de mais ninguém. Mas, se possível é sempre bom contar com uma ajudinha extra do “destino”. Se você quer ter um milhão de amigos, tudo bem, mas para mim, quanto menos gente ao meu redor, fica mais fácil saber o que eu posso fazer de bom para cada um e o que cada um pode fazer por mim, em uma troca benéfica para todos. Mesmo que essas pessoas não percebam o que estão fazendo. E há trocas inusitadas com gente que te persegue e com os desafetos. Enquanto não nos adulam ou nos põem pra baixo, eles servem para nos tornar mais conscientes. Porém, quando a troca simplesmente deixa de rolar, o vínculo se desfaz. Simples assim.

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Estamos aqui no facebook. A rede social já me ajudou profissionalmente, como já me fez perder tempo. Ouvi de profissionais da indústria como é importante trabalhar diariamente com esta rede, para “estreitar relações”.  Sempre ouvi isso com desconfiança, e com o termo “superficializar as relações”, na cabeça. Há uma grande diferença entre o mundo das curtidas e o mundo dos que literalmente arregaçam as mangas. Mas fazer o quê, se muitos vivem de aparências, que justificam suas visões de mundo? Não se deve convencer ninguém de nada. Proselitismo ou fanatismo. Que cada um crie o seu mundo conforme o devido entendimento. Se der para os mundos distintos interagirem, ótimo. Caso contrário, bye bye. Melhor assim. Antes do fim, todos aprenderão muito mais.

Fica claro, que algumas pessoas que convivem conosco, são necessárias para o crescimento em conjunto, mesmo que elas não estejam conscientes disso.

Antes, quando eu me ocupava com mais tarefas não tão importantes, as sincronicidades não eram tão aparentes. Hoje, quando o meu tempo é melhor administrado, as sincs se manifestam mais vivamente.

As sincronicidades são o nosso respiro, o nosso refresco e a sombra fresca.

Repare como em uma conversa inocente, ouvimos respostas prontinhas para as nossas questões.

São vários os exemplos: eu precisava de um profissional para me auxiliar. Um amigo próximo tocou no assunto sem saber de minhas necessidades e hoje trabalho com este ótimo profissional.

Um outro conhecido me prometeu mundos e fundos para resolver uma questão. Um ano depois, descobri, de uma forma não muito agradável, que ele não havia feito nada. Meu instinto já dizia para não confiar mais, para não dar mais crédito, mas a voz interior me pediu para dar uma última chance, que fosse a definitiva, para que o “amigo” se enrolasse por conta própria. A mentira pode não ter pernas curtas, até pode ter vida longa, mas chegará o dia em que as peças se encaixarão e você saberá, sem fazer força, que o relacionamento com determinada pessoa chegou ao fim pelos motivos certos. Sem choro, nem vela ou drama.

Em outras oportunidades, citei neste blog, que as sincronicidades também servem para nos fazer sorrir (obs: e há coisa melhor em momentos difíceis?).

Me apaixonei por desenhos e histórias em quadrinhos desde cedo. No alto dos meus 8 anos imaginei que seria desenhista. Naquela época fui brindado com um presente de amigos de meus pais: um álbum de Asterix e Cleópatra, com capa dura. A impressão que o álbum me deixou até hoje é forte: da história, aos desenhos, e ao cheiro do papel, tudo ficou impregnado na alma. Ao me lembrar do álbum na semana passada, liguei a TV e estava sendo exibido o filme “Asterix e Cleópatra”, que nunca havia visto.

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Outro dia, vi na TV uma matéria sobre uma dona que só veste violeta. Mesmo. Após o programa, desci, logo em seguida, e uma senhora na rua, toda trajada de violeta, me encarou durante um bom tempo. Outro dia, em outro canal, assisti a uma matéria sobre anões e vi uma mãe anã. Desci pra rua e uma anã me encarou. Deveria ser mãe. Parecia cena de sonho… Separei umas revistas antigas que não via há anos. Na capa de uma delas, a foto do cantor Nelson Ned, também anão. No dia seguinte, o cantor faleceu.

Para bom entendedor, meia palavra basta: quando eu era criança, com menos de dez aninhos, havia uma casa sinistra por perto que sempre vivia apagada. Em seu jardim, um anão mais sinistro ainda me olhava sarcástico e me olhou tão bem uma vez que tive medo eterno. A impressão foi tão forte que desviava do lado da calçada do anão, para não ver a sua risada maléfica. Os anos se passaram, as décadas também e a casa foi vendida. Virou um curso de inglês. E o anão… sumiu. Sumiu do mundo tridimensional, porque em minhas memórias ele permanece rindo para mim ou de mim.

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Tendo posto este assunto em pauta, conto a história do final de semana.

Gosto de arqueologia urbana, ou seja: de entrar em ruas nas quais nunca estive para pesquisar. Em uma delas, no alto de um morro, encontrei uma casa aberta e sem perguntar nada entrei, porque meu coração disse para seguir adiante e nada senti de perigoso. Não havia dono, vigia ou segurança. Me surpreendi. Era uma espécie de museu. Em seu interior, uma biblioteca com vários livros antigos em estantes que iam até o teto. O cheiro de velhos móveis e memórias, de tempos passados, que a humanidade agitada faz o favor de não querer tomar conhecimento. Lá embaixo, na rua, um bloco de carnaval, ensaiava a toda, mas seus batuques cessaram, assim que entrei na casa misteriosa. O som externo não conseguia atravessar o portal. E não atravessou. Parecia que eu havia entrado em um outro mundo paralelo. E quando digo isso, é essa a sensação que se tem, a de viver uma realidade paralela em nosso mundo “real”.  E é o tipo de coisa que não se pode vivenciar em grupo. Há experiências grupais e outras individuais. Só uma pessoa pode retirar Excalibur da pedra. É assim que é.

Ao olhar com mais atenção aos detalhes, percebi que estava em alguma fraternidade. Nas paredes, fotos emolduradas de antigas personalidades trajadas com vestes ritualísticas. Em uma das fotos, o Presidente Juscelino Kubitschek, uma referência poderosíssima para mim, vide as postagens anteriores. Depois de curtir um pouco a descoberta, deixei o recinto e desci o morro por uma outra rua na qual nunca estive. A rua encantada, com calçamento de grandes pedras como em Paraty, me fizeram viajar no tempo, para o tempo de uma cidade antiga, com mais de 200 anos.

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Mal virei a curva, me deparei com uma casa, em cuja entrada estavam todos os sete anões e a Branca de Neve, toda serelepe. Meu coração bateu acelerado, sem medo ou trauma. Eu estava no lugar certo e havia me reconectado com minha infância, em outra circunstância, e com novo entendimento. Agradeci a Deus, as intuições e as decisões corretas – intuídas -, frutos da conexão do Ser Interno com o Universo, que está muito além no tempo e do espaço, e ao mesmo tempo, conosco em cada segundo.

Assim é a sincronicidade.

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Dia dos Mortos.

Hoje, 2 de novembro, o blog presta uma homenagem ao dia dos mortos. Isso é, se o leitor acreditar que exista “morte”.

As duas histórias, que relato aqui, reproduzidas do livro “Mágica Vida Mágica”, falam sobre a continuidade da vida (e de comunicações) após o desencarne. Uma delas versa sobre o presidente Juscelino Kubitschek e outra sobre minha própria mãe.

A Sincronicidade do Presidente.

 

JK ou Akhenaton?

JK ou Akhenaton?

Em junho de 2008, eu fazia a produção de um programa de rádio no prédio da extinta Revista Manchete no Rio.

manchete, predio

— Você já soube da mudança de endereço?, me perguntou a locutora durante a programação. — Mas não há data certa, pode ser na próxima semana ou daqui a seis meses, ninguém sabe.

— Pois é, você acredita que estou sentindo que hoje é o meu último dia aqui? Acho que na próxima vez farei o programa em Niterói. Sabe o que eu gostaria de fazer hoje?, perguntei a ela.

— O quê?

— JK, o ex-Presidente da República não tinha um escritório aqui?

— Sim, já fui lá. É muito legal.

— Gostaria de visitá-lo ainda hoje.

— Fale com o porteiro. Ele tem a chave. Certamente ele te levará.

Desci, conversei com o porteiro responsável. Ele explicou que não tinha a chave e que teríamos que fazer uns “atalhos”. Insisti, ele subiu comigo até o último andar do prédio. Lá de cima, caminhamos por uma pequena passarela do lado externo do edifício, da qual víamos o chão lá embaixo, 12 andares sob os nossos pés. Depois dessa travessia, chegamos a um outro bloco, descemos por uma escada enferrujada na lateral de um prédio para alcançar o outro; nos abaixamos para entrar em uma sala de máquinas no escuro para em seguida subirmos uma elegante escada interna que dava acesso ao andar desejado. Ele procurou com um certo receio a chave certa, entre dezenas de outras, como se pensasse em me convencer a não entrar no local.

— Você está com medo?, perguntei.

— Não, claro que não. É que o pessoal fala…

— Fala o quê?, perguntei intuindo a resposta.

— Teve um funcionário que desistiu de trabalhar aqui, porque viu um fantasma…

— De quem? Dele?

— Acho que sim, mal terminou de falar a porta se abriu, fantasmagoricamente.

O escritório permanecia o mesmo há 3 décadas, como foi deixado no último dia de trabalho do ex-Presidente Juscelino Kubitschek. Próximo à janela, uma enorme prancheta ainda mantinha os decanos avisos escritos à mão perto das venezianas fechadas. No outro canto, uma mesa com papéis, dedicatórias de personalidades nacionais e internacionais, uma caneta-tinteiro, uma pequena Bíblia e um sofá para as visitas. Como eu me considerava visita, mesmo sem ter sido convidado, me sentei no sofá para meditar um pouco. O porteiro permaneceu de pé com seu uniforme azul escuro junto à porta em posição de sentido. Lhe pedi que me deixasse em silêncio durante alguns minutos. Ele atendeu, mas com o semblante de quem estava vendo fantasmas. A vibração no escritório ainda era muito vigorosa e palpável. Pude conhecer uma parte da essência daquele homem através dos resíduos de sua alma, plainando naquele local.

Levantei-me e sem pudores, vistoriei a mesa do Presidente. Ao lado de uma pequena Bíblia, havia alguns versículos datilografados em páginas amareladas com anotações feitas a lápis. Especialmente uma delas me chamou a atenção: Marcos 16, versículo 15. Anotei e deixei a sala. Achei que era isso o que procurava.

Ao chegar em casa verifiquei qual era o significado do tal versículo de Marcos, “O Sepulcro Vazio, A Ressureição”. Era uma frase única de Jesus, que encerrava uma lista de versículos e capítulos: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda a criatura.”

Pouquíssimo tempo depois, um conhecido “das antigas” me convidou a ficar uns dias em sua casa em Brasília, cidade que não visitava há mais de uma década. Fui.

Em um domingo, último dia da visita à capital, fomos conhecer a Catedral e no comecinho da tarde, pedi que me levassem a um museu sobre o ex-presidente Juscelino Kubitschek. Fui até lá com a esposa do amigo, que me confidenciou que nunca se interessara em conhecer o local, cercado por um sereno espelho de água. Para entrar no memorial é preciso descer uma rampa em declive para uma entrada subterrânea, como se estivéssemos adentrando um templo egípcio. No centro da ampla sala do segundo andar, me deparei com uma espécie de nave no centro da construção, como uma bola de metal perdida entre colunas enigmáticas. A intuição me conduziu ao seu interior. Tremi de emoção assim que entrei. Um anjo surgido de um vitral avermelhado no teto me acolheu, com um quase imperceptível e doce movimento de rosto. Sua angélica mão direita suspendia uma coroa de louros sobre um túmulo de granito negro, na penumbra. Claro que era JK, só podia ser.

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Com os olhos úmidos, me lembrei do escritório no prédio da Rede Manchete no Rio e refleti sobre a inusitada caminhada da minha cidade até o repouso final do Presidente. Diante do túmulo de JK, explodi em um choro tranquilizador, de quem finalmente se depara com o seu destino: – Sei que minha história de agora em diante está ligada a esta cidade!”.

3 anos depois, meu primeiro e único filho nasceria em Brasília, a mesma cidade fundada por JK.

 …

A Sincronicidade das Despedidas.

Mamãe estava viva, mas debilitada pelo mal de Alzheimer.

Mamãe, eu com 5 meses e vovó

Mamãe, eu com 5 meses e vovó

Cheguei em casa à noite em um final de semana. Precisava ligar para alguém e usei o telefone na sala. Antes, verifiquei se a acompanhante e mamãe estavam dormindo no quarto no fim do corredor. Parecia tudo bem. Me sentei no lado direito do sofá na sala, em frente ao corredor. A luz do teto e da sala estavam sempre acesas para qualquer eventualidade. Desde que minha mãe adoecera, nunca mais consegui dormir em paz. Mais cochilava do que dormia, sempre acordando sobressaltado. Sendo assim, a porta do meu quarto nunca era fechada.

Eis que sentado no sofá e tendo o fone na mão direita, vi uma forma fluídica, como uma pequena nuvem elétrica, cruzar a janela aberta e estacionar em frente ao corredor. Não interrompi a pessoa no outro lado da linha, talvez a tenha escutado menos, não sei, mas não parei de ouvi-la, enquanto mantive a atenção focada no fenômeno. A mancha que começou a se parecer mais e mais com uma daquelas nuvens em céu tumultuado com relâmpagos piscando dentro da sua área, assumiu uma forma humana. A sombra luminosa, preenchida por raios que flamejavam, andou passo a passo até a porta do quarto da mamãe, ao mesmo tempo em que piscava como se fosse uma antiga imagem de televisão fora de sintonia. Me ergui com o aparelho na mão e torci o meu corpo à direita para ver a luz atravessar a porta do quarto de mamãe. Pedi desculpas, interrompi a ligação e abri a porta sem desespero. Estava tudo escuro, nada havia de estranho.

Não falei com ninguém sobre o assunto. Passaram-se alguns dias.

A acompanhante de minha mãe era uma pessoa humilde e evangélica. Ela não era dada a inventar coisas, mas surpreendentemente, ela veio ter comigo, após o fato que eu presenciei, ter ocorrido.

— O senhor entrou no quarto agora?

— Não. Acabei de chegar. Por quê?

— Aconteceu algo muito estranho e estou assustada. Eu não acredito nessas coisas, mas preciso te contar. Eu estava deitada quando senti uma presença dentro do quarto. Me virei e havia uma mulher olhando para a sua mãe. Perguntei: “Quem é você?” A mulher não falou nada e desapareceu. Estou com medo, não quero dormir no quarto.

— Como era essa mulher?

— Uma senhora alta e magra com um corte de cabelo bem curto…

— Meu Deus, pela sua descrição, é a mãe dela.

— O que isso quer dizer?, ela me perguntou assustada.

— Não sei, não sei…

No fundo eu já sabia. Mamãe estava partindo, ou segundo o escritor argentino Jorge Luis Borges, “se encantando”.

E foi o que realmente aconteceu.