A SINCRONICIDADE DO BRASIL

 

A Sincronicidade das Sincronicidades (ou como as partes fazem o todo)

Não tirei o pé de casa durante alguns dias, talvez dois ou três. Se eu sinto que é para terminar um trabalho sem dar-me trégua, o faço sem crises, mesmo que trabalhe 16 horas seguidas (será a endorfina?).

Meu corpo suporta bem a carga de energia do Poder Criador que nos fertiliza de Amor, a semente da criatividade. E criatividade pode ser Amor ou Ego, depende do objetivo, depende da intenção, da interação. É bom trabalhar com um toque de pureza, pois quando o Ego comanda a ação (como por exemplo, fazer algo para provar alguma coisa), a energia não me parece tão abençoada e o resultado é apenas “a menor parte do todo” e isso te afasta da “maior parte do todo”, ou da “melhor parte”, o que é bem mais agregador, completo, bacana e sincronístico. Vivo meu isolamento de monge escritor, sem muitos problemas, pois para mim todo dia é igual ao dia anterior, caso não se faça por onde, caso não se viva a mágica do dia, e a magia necessariamente não está na rua, está em você, pois todos somos Deuses já que a partícula divina está em nós. É genética, é religião, humanidade e filosofia. Mas não adianta querer ser Deus, não é assim que acontece, não adianta exibir o Deus que há em você sem que haja um entendimento do processo, do que é vivenciar que o todo (Deus) está em você (a parte) porque é assim que acontece, não é algo intelectual, mas precisa de discernimento que nem todo mundo tem, um analfabeto ou uma criança podem sentir essa energia, sê-la e um místico pode ficar só no misticismo ralo.

“Mas eu tenho medo dessa história de parte, de todo”, alguém pode sinceramente argumentar. Mas eu também tenho, só que em outra proporção, em um nível diferente, não como o seu e nem você como o meu. E como mesurar, como saber como estamos? Pois é, não dá para saber porque o Ego interfere no julgamento. Mas o Ego serve para muitas coisas: para os artistas, para os políticos, para os ególatras, para galgar degraus na vida social e profissional, para se sair bem nos encontros, etc. Mas então por que recusar o poder do Ego se o Mundo é Ego? Pois é, essa também é uma questão complexa e que certamente envolve receios e medos. Se o mundo é Ego, por que não idolatrar o Ego? Simplesmente, porque você é diferente, porque você é um astronauta sincronizador e se souber disso, não haverá dor, cobrança ou sofrimento. Ah, mas minha mulher, meus amigos, meu filho, meu patrão, a sociedade não entendem, não querem saber, não ajudam, etc. Então dê o seu jeito. E separação faz parte da vida, do aprendizado, não dá para ter tudo para sempre. Tudo é finito.

A soma, quase sempre é difícil de conciliar. E a união dos interesses e necessidades não dependem só de você, dependem do todo, mas é útil entender o  todo através do que é mais “preciso” e do que é “desejado”. Hedonismo e prazer demais não ajudam muito a quem quer se interiorizar. Esses são amigões do Ego, que na maioridade das vezes é péssimo conselheiro.

Voltando ao primeiro parágrafo, fiquei alguns dias sem sair de casa. Após (quase) fechar 3 trabalhos, vi o céu azul e me dei uma folga: “Hoje vou espairecer”. Decidi ver os 140 metros quadrados da tela fenomenal Guerra e Paz de Cândido Portinari (1903-1962) exposto no Theatro Municipal no centro da cidade. Antes, fui entregar um presente de natal para um amigo em um bairro próximo. O prédio era no fim de uma longa rua e ninguém atendeu o interfone. Então um rapaz, morador do prédio que não conheço surgiu e pedi a ele que entregasse o pacote. Pode ter sido um pedido meio “mala”, a pessoa poderia nem querer fazer (e tem todo o direito), mas eu pedi porque senti que era para pedir e nem pensei muito, foi como um fluxo, ou pedia ou ficava com o pacote na mão.  Ele entrou no prédio com o pacote e agradeci. Bacana. Quando me virei para ir embora, vi que bem pertinho, em um larguinho no final da rua havia um santuário. Fui até lá e era a Virgem de Fátima, minha grande amiga. Fui lá e agradeci pela companhia. Me senti abençoado, no caminho certo.


Em direção ao Municipal, ali na esquina, encontrei um chafariz de 1807 (Na foto, não dá para ver a data com precisão, pois como se vê o monumento está pichado). A família Real, fugida de Napoleão, cá chegou em 1808, o monumento é do ano anterior. No Rio de Janeiro, não é difícil encontrar traços do antigo Portugal, mas ter visto o chafariz naquela hora me encantou pois um dos trabalhos que estou escrevendo fala sobre portugueses, índios e negros.

A fila para entrar no Theatro Municipal dava a volta no quarteirão. Como me preparei para uma situação dessas, levei um livro sobre a Guerra do Paraguai para ler na rua. Meu último lugar na fila era em frente ao Clube Militar, que tem dois alto relevos na parte externa do prédio com imagens da… Guerra do Paraguai. 10 minutos depois que cheguei, um amigo das antigas, que fiquei sem ver por mais de uma década, saiu do tal prédio. Nos últimos quinze anos só nos encontramos duas vezes e ambas em 2010: em uma rua perto de casa no início de 2010 e agora. No primeiro encontro, ele me contou da decisão que havia tomado de mudar de profissão porque seu coração o disse e acrescentou que estava feliz. Nesse nosso segundo fortuito encontro, no final do mesmo ano, agora em dezembro, ele me abraçou e falou que estava trabalhando no Clube Militar em um esquema bem mais legal. Ele surgiu no início e no fechamento do ano para passar a mensagem. O amigo abandonou o que nada mais valia para ele, deu uma pernada no Ego e se desapegou, mas para isso teve que ralar, se repaginou, melhorou, progrediu, mas o melhor dele ainda estava intacto: o coração. Na hora, pensei, é claro, que nenhum encontro desses é casual. Nos encontramos em datas simbólicas, início e fim de ano, porque estamos entranhados com a mesma energia: a mudança interna e externa.

Subitamente uma Deusa surgiu na avenida principal em carreata veloz, seguida por vários ônibus festeiros como barcas de quatro rodas: era Iemanjá a frente do cortejo em direção à praia de Copacabana. Iemanjá, linda, nos abençoou com seus longos cabelos e sua vestimenta branca com as mãos doando luz, como Nossa Senhora. A súbita cena me preencheu a alma, pois toda boa surpresa não marca visita, te pega pelo colarinho, te beija sem pedir. Ao vê-la, me senti leve, fazendo parte de algo muito especial, muito lindo, integrado, coeso e único. Sorri, quase chorei.

Na fila, jovens falavam das férias, que estavam loucos para deixar a cidade e de preferência o país. “Quero ir para a Austrália”, “Quero ir para Portugal ficar um ano” e uma menina acrescentou: “Vou trabalhar de garçonete em Lisboa”, etc (um deles falou: “Canadá não, porque é muito frio”). Todos, obviamente, empregados, mas insatisfeitos. E o papo me chamou a atenção, porque eu não estava ali naquela fila gigante para ver um quadro, mas para ver o Brasil, para conhecer o Brasil, para me reconhecer no meu país, no nosso país, para me emocionar e atrás de mim, outros estavam ali para ver um quadro, que poderia ser de qualquer artista, brasileiro ou não, tanto faz. Mas entre nós, eu e eles, apesar de fisicamente próximos, havia uma barreira interna enorme de percepções diferentes da vida e de diferentes objetivos: eles querendo se encontrar do lado de fora e eu querendo me encontrar do lado de dentro.

Portinari é o pintor da alma brasileira. O que se pode entender da obra que representa a brasilidade se ela não existe em seu coração? Só se poderá ver exterioridades, cores e tinta, mas não senti-la, vivê-la com a sua alma.

Depois de uma hora na fila, entramos no Municipal, reformado, lindo, uma coisa de louco e teve inicio uma projeção lindíssima contando a história do quadro Guerra e Paz de Cândido Portinari. O quadro havia sido exposto pela primeira vez, ali mesmo no Theatro em 1956 quando Juscelino Kubitschek era o Presidente. Tenho uma ligação espiritual muito grande com Juscelino e estando ali frente a frente com aquela obra monumental, de extrema beleza, o que eu poderia fazer a não ser me emocionar? A arte tem um poder impressionante de nos liberar, de nos libertar, de dar razão a tudo, de dar vazão a tudo.

Depois do Municipal, quis mais arte e fui para a Caixa Cultural, ao lado, para ver se havia exposições ou mostras.  No térreo havia um conjunto de tapeçarias inspiradas na tela Guerra e Paz. Uma delas me chamou a atenção: um Cérbero, o cão de três cabeças (foto). Quando se vê os dois painéis que compõem Guerra e Paz há tantos detalhes, que não há como perceber tudo, não há como reconhecer todas as figuras, a riqueza de detalhes é incrível e o Cérbero da tela me passou batido, mas lá estava a reprodução do animal em uma tapeçaria, dando-lhe o destaque necessário. O nome de um dos personagens do livro que estou escrevendo se chama… Cérbero.

Subi para o segundo andar. Na primeira sala dei de cara com fotos feitas por Darcy Ribeiro, o grande Darcy, sobre os grupos indígenas Kadiwéu, Urubu-Ka’apor e Ofayé-Xavante nas décadas de 40 e 50. Tudo absolutamente lindo, imperdoavelmente lindo, foi como uma pancada de brasilidade na minha alma. Darcy tudo pode. Mais uma vez associei: o trabalho que estou escrevendo é sobre portugueses, índios e negros. Mas me vi, debruçado, embevecido sobre um determinado grupo: os Kadiwéu. Seus traços belos parecem uma mescla de orientais com andinos e seus rostos, pintados com desenhos geométricos que formam mosaicos, indesculpavelmente lindos. Os índios Kadiwéu ou Cadiueus salvaram uma coluna brasileira (a Retirada da Laguna) de ser totalmente destruída pelas forças “inimigas” na Guerra do Paraguai. Não sabia disso e a fascinação começou a fazer sentido.

Na segunda sala, assisti a um maravilhoso documentário sobre o pensador negro americano Richard Wright. Parecia que estava tendo uma aula – bem criativa, por sinal – sobre portugueses, índios e negros. Lembrei do que escutei na fila, sobre jovens que nada querem com o Brasil: me vi tomando banho de Brasil enquanto os outros se enxugavam. Pois é, cada um na sua.

 

Ver exposições sobre temas que estou escrevendo exibe uma sincronia: de que estou fazendo a coisa certa na hora certa, sintonizado com o meu destino e com o destino do universo.

 

De volta para casa, no metrô, ao meu lado, três rapazes começam a falar que estavam loucos para deixar a cidade e de preferência o país. “Quero ir para a Austrália”, “Quero ir para Portugal ficar um ano”. Mas foram acrescentadas outras rotas de fuga como Suécia, Finlândia, Nova Zelândia e Noruega.

Portinari tinha um pensamento curioso: “Todas as coisas pobres e frágeis se parecem comigo.”

 

Sim, somos pobres e ricos, frágeis e fortes, brasileiros ou não, queremos ficar aqui em “nossa” terra ou não, queremos mudar ou continuar, queremos tudo e nada.

 

Mas só uma coisa é importante, a mais importante de todas: estando sincronizado, todas as escolhas são abençoadas, porque elas nos pertencem e nós ao mundo.

 

Não é só isso, mas é isso e isso é TUDO.