Sincronicidade da Proteção

Frequentei uma Fraternidade Mística nos anos 90, na qual aprendi a importância dos rituais. Em nossa vida diária, praticamos muitos deles: batizado, festa de 15 anos, aniversários, primeira comunhão, vestibular (Enem hoje), primeira namorada, primeiro emprego, etc. O ritual significa a passagem de uma fase para a outra, sempre superior e fartamente celebrada em conjunto pela sociedade. Mas o ritual só nos exprime a sua real importância quando você se conecta a ele, entendendo algo do seu significado. A superficialidade e o não entendimento te afastam do que o ritual tem de mais encantador, que é te fazer entender o fluxo e refluxo da existência.

 

Como Se Vê

Em 1995 me desliguei dessa Fraternidade, não por discordar totalmente dos seus métodos, mas por sentir firmemente que era chegada a hora de partir. Quando esse impulso de mudança toma conta de você, não se discute, não se pensa duas vezes. Mas é claro, toda mudança deve ser realizada com o maior respeito e transparência com todos os envolvidos diretos e indiretos. Toda ação gera uma reação, isso é básico e toda mudança gera oportunidades, “desperdiçáveis” ou não. Com o tempo aprendi que o mundo te empurra para a frente, sempre. Quem te empurra “para trás” é você e mais ninguém. Assim como a vida, o entendimento sobre os rituais, surge com o tempo, com a experiência e a maturidade. Você pode ter 80 anos e continuar sendo completamente cego, não há nada de novo nisso. Por isso, quando decido que a mudança é inevitável, a realizo às claras. Nunca fiz e nem faço nada na sombra, mesmo que socialmente se pague um preço caro por ser independente.

Subi ao escritório do fundador da Fraternidade para comunicar a minha saída e ouvi de sopetão: “Você veio dizer que está saindo, não é?”. Meio surpreso, pois não havia comentado sobre o assunto com ninguém, respondi que sim. Ele me disse: “Seu trabalho não é mais entre quatro paredes, o seu trabalho é no mundo.”

O que ele quis dizer com mundo? Refleti sobre esse assunto várias vezes, mas antes mesmo de chegar a alguma conclusão, o mundo me tragou inesperadamente. De uma maneira surreal, fui empurrado para uma viagem à Europa no ano seguinte. Havia ido no máximo à Argentina, nunca para outro continente, e nem tinha dinheiro para isso, mas as coisas foram ocorrendo em um frenesi de “coincidências” que desde o primeiro momento, deixaram claro que era para ir e ponto final. Você segue o fluxo ou não, a decisão é sua. Há que confiar, mas sem as amarras da ilusão. Quando você “se deixa levar” e segue o seu “destino”, nada de ruim pode te acontecer, pois esse é o seu caminho e o de mais ninguém, porém isso também não quer dizer que problemas não ocorrerão. A sincronicidade te diz para seguir adiante, para viver a sua história e o melhor aspecto de todos: para finalizá-la. Porém a sincronicidade não te diz que a experiência será um mar de rosas, ainda mais que você lidará com pessoas que não te entendem, ou respeitam e elas, apesar de tudo, são necessárias para te testar, são os teus testadores, os teus sparrings e você deve agradecer por isso. A viagem à Europa não foi um mar de rosas, mas era a oportunidade de visitar a Lusitânia, a terra dos meus avós paternos. Soube, de coração, que não deveria abrir mão da oportunidade. Entre vários pontos altos e baixos, tive um encontro muito bonito e inesperado em Portugal não com uma pessoa, mas com a mãe simbólica de todos nós, a Virgem, que se tornaria, de certa maneira, uma grande amiga. Não me estenderei sobre esse encontro agora, mas o farei brevemente. É realmente uma história muito bonita que espero compartilhar de coração.

Antes de aterrissar em Portugal, estive um mês em Londres. Relato isso porque as histórias que conto agora, ocorridas em 2010, 14 anos depois, provam que não há ponto sem nó nessa vida. Estamos sempre sendo protegidos e acarinhados, mesmo que achemos que não.

 

O Valor do Gesto Interno

Entre julho e início de agosto de 2010, fiz uma novena. Como o silêncio é bom companheiro faço algumas meditações caminhando e costumeiramente rezo de madrugada. Escolhi como local para a novena, a imagem da Virgem que há em Ipanema na Praça N. Senhora da Paz, que fica do lado de fora da igreja, o que facilita o meu trabalho. Os irmãos evangélicos não adoram imagens, eu também não, por mais estranho que pareça. Explico: quando rezo em frente a uma “imagem”, não penso nela como um objeto físico, mas como um “facilitador”, ajo nos moldes de uma “técnica” que me permita projetar meus pensamentos ou minha consciência para um patamar superior, um mar de energias mais livre, onde os pensamentos possam fluir sem amarras, mais conectados com o todo, o que me permite ter uma noção mais clara do que “eu quero”, do “eu posso” e do que “é possível”. Não penso na imagem como um ser “vivo”, mas também não a desrespeito, como não desrespeito a bandeira nacional, que por sinal é uma imagem e um símbolo.

Muitos creem que rezar não vale a pena, mas desejar a mulher dos outros também é uma espécie de “reza” (que é ativada como um mantra), assim como ambicionar um emprego melhor ou invejar alguém. Reza é apenas um nome. Troque essa palavra por conversa, diálogo, pedido, reflexão e tire o valor “negativo” – se houver – da mesma. No final das contas, rezas são conversas entre você e o Eu Superior e tudo se resume a diálogo e esperança. Há que experimentar para compreender, testar o erro e o acerto para seguir adiante, optar com razão e emoção pelo o que é importante em nossas vidas.

Essa é a história.

Me dirigi à imagem às 1h30 de uma sexta para sábado para dar início à novena. A imagem da Virgem fica do lado de fora da igreja, em frente a um velário externo.

Apesar da hora, sexta é sexta e vários jovens caçadores, levemente alcoolizados e com uma energia sexual palpável passavam de tempos em tempos perto de mim, a alguns metros, sem se aproximarem. Todos gritavam ou gargalhavam, sem dar a mínima para o estranho que rezava, pois afinal de contas, a rua é de todos. Dentro de uma igreja se comportariam condignamente, do lado de fora é a lei do cão, que cada um brigue pelo seu espaço. Alguns minutos depois, um grupo de três se aproximou, enquanto eu acendia uma vela no velário. Eram 2 meninos e 1 menina. Pelo jeito que se aproximaram era óbvio que não eram daqui, refleti. Ainda mais a essa hora. Começaram a falar entre si e eu perguntei: “Vocês são ingleses?” Eles disseram que sim. A menina disse que gostaria de deixar um donativo na igreja e eu respondi que o local estava fechado.  Eles me perguntaram algumas coisas, se eu tinha religião, para que estava acendendo uma vela, enquanto eu tentava colocá-la em pé. Disse que o Brasil ainda era um país católico “parecido com a Irlanda”. Um dos meninos disse: “Minha mãe é irlandesa”. “Então você entende o significado da palavra FÉ?”, perguntei e ele respondeu “yeah”. Conversamos mais um pouquinho e eles se despediram. Agradeci a gentileza de terem conversado comigo, completando: “Nenhum brasileiro faria isso às 2 da manhã”.

 

Proteção

Após mais alguns minutos, me recordei da viagem à Inglaterra e Portugal. Só estive nesses dois países na Europa em 1996 e naquele momento, em Ipanema às 2 da manhã eu me senti novamente na Inglaterra através dos meninos e em Portugal através da imagem, vestida de azul e branco, posicionada atrás de mim. Apesar de nunca mais ter estado fisicamente nesses países, compreendi intensamente que a presença física não é de todo necessária, pois a energia da viagem há 14 anos, e o que eu havia aprendido com ela, estava ali de novo, mais física do que nunca, mais real do que poderia imaginar. Me arrepiei todo e meus olhos marejaram. Pensei “O elo daquela época não se desfez, está mais firme do que nunca e não é uma prisão, é uma benção”.

Ingenuamente, acreditamos mais na realidade física, dando testemunho ao TER do que ao ESTAR, em detrimento das entrelinhas da vida. O fato É, não precisa de julgamentos ou provas. Não é mágica que ilude a plateia, não é algo físico que precisa ser visto, tocado, só necessita ser vivido sem teorias. E a experiência é para sempre, não se desfaz, ela permanece se desenvolvendo, acrescendo. Nenhum elo do bem se rompe, se une a outro construindo uma corrente que se metamorfoseia, que não é sólida, é mutável, feita de elos coloridos, que se completam em si mesmos e se desdobram para muito além.

Não estamos sozinhos.

O encontro com os três jovens viajantes ingleses foi sentido como um evento sincronístico singelo e acarinhador. A mesma energia da viagem de 1996 estava ali e está aqui agora em 2010 me dizendo que o casamento íntimo é mais importante do que o casamento no papel, que o que se sente é mais importante do que o que se fala, que o real é íntimo e comumente não é expresso pois teme-se o julgamento. Mais vale enfrentar o perigo com verdades do que se poupar com mentiras. A verdade é perene, a mentira tem prazo de validade, assim como o tempo é senhor da razão. O tempo físico é uma quimera. A experiência é única e atemporal, não sofre influência do relógio, do mundo externo, nem das exterioridades.

E a Virgem me referendou em silêncio, após a vela ser acesa: “Eu continuo aqui com você, sempre”.

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